11/02 - Significa uma ânsia e um
descontentamento desesperado, junto ao clamor por mudanças reais e efetivas.
Até aqui, tudo bem, mas a questão é em quem é depositada esta fé, assim como
nos meios utilizados para tal apoteose.
Pelo menos, se o homem não se tornou mais sanguinário com a civilização,
ficou com certeza sanguinário de modo pior, mais ignóbil que antes. Outrora,
ele via justiça no massacre e destruía, de consciência tranquila, quem julgasse
necessário; hoje, embora consideremos o derramamento de sangue uma ignomínia,
assim mesmo ocupamo-nos com essa ignomínia, e mais ainda que outrora. O que é
pior? Decidi vós mesmos.
Responder
satisfatoriamente à indagação proposta pelo título não é uma tarefa simples,
tampouco acarreta em uma visão otimista com relação à política profissional
brasileira. Negligenciei propositalmente, por certo tempo, em escrever sobre um
perfil tão nefasto, patético e risível como este, até mesmo por pensar que
seria demasiada atenção dispensada a algo relativamente insignificante (como,
acertadamente, foi o cômico movimento O sul é o meu país). Não que
tenha ocorrido algum acréscimo significativo à visibilidade de Bolsonaro, mas o
que se pretende abordar, ainda que seja desafiador, é a abstrusa subjetividade
que leva alguém a cogitar, a eleger e/ou ser eleito com base em discursos como
os de Jair Bolsonaro & Cia. Desta
forma, quaisquer comentários, assim como a polêmica suscitada através deste
texto, só serão plausíveis na medida em que forem assimiladas concepções aqui
explanadas.
Infelizmente,
ainda é necessário ressaltar que este debate sequer devia existir, assim como
este texto; afinal, é inconcebível que um regime político incipiente, como é o
caso da democracia brasileira, tenha entre seus quadros político-partidários
pessoas que representam um perigo letal às instituições, bem como para com os
próprios cidadãos. Causa sincera comoção e admiração que discursos de ódio e intolerância ganhem tanta repercussão e, o
que é pior, que sejam representados nas arenas políticas (tanto mais por alguém
que defende atrocidades, tais como as cometidas ao longo de duas décadas de
autoritarismo civil-militar). Não se trata apenas de Bolsonaro em si, mas de
quem e o quê ele representa.
O
cenário é tal que, mesmo no ambiente acadêmico-especializado da Ciência
Política, e mais ainda no clássico pessimismo da visão culturalista,
encontram-se facilmente terminologias técnicas adjetivadas de “crise”. Em termos práticos, o que chega ao
cidadão comum, leigo e distante das esferas de poder, é que há uma macilenta
crise generalizada, sendo esta responsável pela corrosão das instituições e da
política brasileira; ou, pelo menos, é esta a premissa dos discursos
propagados. É verídico que o índice de confiança institucional dos brasileiros
tende a ser tanto pior quanto maior a proximidade com as arenas
político-profissionais, cabendo uma das piores colocações (desconfiança) aos
partidos políticos. Eis a gênese da “crise”:
não há legitimação e representação, por um lado e, de outro, ausenta-se
exponencialmente a confiança e a reciprocidade (as bases da democracia enquanto
espelho da sociedade). Em outras palavras, o povo não se vê representado
através dos partidos, assim como não crê na política profissional brasileira (e
não sem motivos, é claro).
Este
cenário de pouca confiança institucional (e também social) forma um campo
fértil para semear discursos de crise. Por quê?
Pelo
simples fato de apresentar um discurso que já está presente na subjetividade
dos brasileiros – encontra ecos no “tradicionalmente
concebido”. Por exemplo, é mais fácil aceitarmos
que existe uma crise que justifique “explodir o
Congresso”, do que aceitarmos que há sim como
aprimorar a política profissional. Neste aspecto, ressalvadas as devidas
proporções, o que é permitido compreender, através de uma possível comparação
entre o “efeito Bolsonaro” e
os regimes totalitários da década de 1930/1940? Fora a fertilidade que
discursos de ódio, intolerância e crise generalizada possuem,
ecoando no âmago de uma sociedade descontente e incrédula, também percebe-se a
necessidade vital de, uma vez formulado o problema, apresentar a solução: o “mito” salvador pátria.
Este
é um fator fundamental para a compreensão do sucesso, ao menos midiático, de
candidatos como Jair Bolsonaro. Ele (e tantos outros, assim como seus
assessores) sabe qual é o “ponto fraco” dos
brasileiros – é por isso que adjunto a este abjeto jargão de “crise” (o problema), existe a vital
necessidade de um líder “sério,
honesto, firme” que conduza a nação ao El Dorado (a solução). Mas esta relação não se
esgota aqui, pois assim como em todos os discursos extremistas, especialmente
os movidos à amálgama de ignorância e ódio, é deveras essencial encontrar um
culpado. Temos, então, a tríade “problema –
culpado – solução” (cada uma destas terminologias
poderia ser infinitamente preenchida com diversos nomes, mas isto exigiria
tamanha criatividade e dispêndio desnecessário de laudas e tempo que, além ser
um exercício à memória, poderá o leitor amigo entreter-se por longas horas).
O
fator primordial consiste no fato de que a relação causa-efeito
(problema/solução) pode ser assimilada por qualquer pessoa, independente da
classe social, da idade ou do local, pois é fácil; afinal, todo problema exige
uma solução. Permitamo-nos uma analogia: para compreender as longas horas de
êxtase que uma criança obtém através de um simples brinquedo, deve-se pensar e
agir do mesmo modo que ela; para compreender Bolsonaro e seus asseclas, deve-se
focar tanto em suas limitadas capacidades quanto nas de seus representados, o
que exige uma simplicidade de raciocínio extremamente infantil que, aliás, é
bem caro ao cotidiano adulto. Ademais, o que significa este lúgubre
comportamento de idolatrar Bolsonaro, representado por jargões como “este é o mito!”, “ele é o único honesto”, “messias”, dentre outras tantas verborragias
anencéfalas? Significa analfabetismo político e falta de bom senso, além de
milhares de anos de evolução humana jogados fora…
Mas
onde se propagam estes discursos?
Propositalmente,
são através das redes sociais e de aplicativos como o WhatsApp, no qual se
conquista pela simplicidade e superficialidade da comunicação, ou, o que dá no
mesmo, pela facilidade e agilidade necessárias à (in)compreensão da mensagem.
São nestes locais que os discursos prontos, fechados e intolerantes se propagam
com inenarrável facilidade.
Dificilmente
a caríssima (sim, o superlativo se justifica) construção do conhecimento pode
ser resumida e verificável através de virtuais abstrações simplistas como as
propagadas por este grupo (por exemplo: para alguns, uma piadinha boba; para
outros, um preconceito velado). Refletir acuradamente é bem mais difícil do que
agir espontaneamente, sem pensar, uma vez que isto exige investimento, tempo e
rigor (deve ser por isto que o bom soldado, pregado por Bolsonaro & Cia.,
deve apenas obedecer, jamais contestar – eis o nonsense estereotipado).
Não
é por acaso que o reflexo deste cenário pode ser magistralmente resumido no
adágio do Mestre Povo: “nunca se
deve discutir com um idiota, pois o mesmo lhe rebaixará ao seu nível e lhe
‘vencerá’ por meio de sua idiotice”,
afinal, ele está em seu terreno – no qual existem mitos, messias,
salvadores-da-pátria e juízes que defendem um execrável auxílio-moradia, pois
seu titânico salário ainda é insuficiente (não generalizemos, todavia, no
abrandamento da questão, pois alguns asseclas mais revoltados vociferam “morte aos juízes!”)
Este comportamento explica o porquê de uma simples frase/imagem ser capaz de
condenar e suscitar ódio, por exemplo, ao Programa Bolsa Família; mas
estranhamente também é a chave-interpretativa do porquê não conseguirmos
resumir uma explicação que mostre, efetivamente, a importância desta política
de Estado em uma simples frase/imagem.
Não
há como ser tão simplista e irracional, fora o fato de que este público é
sempre irracionalmente seletivo: só veem aquilo que lhes soa aprazível e
cômodo.
Visivelmente,
grande parte do virtual eleitor de Bolsonaro é relativamente jovem, sendo que
destes, muitos possuem voto ainda facultativo. Mas há, também, um perfil de
eleitor socialmente reacionário e humanamente desumano, apoiador de medidas
extremas, na qual a pior é a execução (idolatrada por esta ascosa turba). Este
é o perfil de alguém que possui um ódio generalizado e não sabe em quem ou no
quê dará vazão ao mesmo. Assim como a dor indica algo errado no corpo, servindo
muitas vezes de alerta, este perfil sociopolítico também cumpre semelhante
função social. Por isto que afirmo: Bolsonaro, em si mesmo, não é motivo de
preocupação alguma; o que preocupa é quem e o quê ele representa. Existe apenas
um Jair Bolsonaro, mas cidadãos com este
mesmo perfil existem aos milhares – e são eles que compõem o verdadeiro motivo
de consternação.
É
bom ressaltar que o diálogo com o perfil acima descrito é pífio. No entanto,
não podemos generalizar (pois se assim agíssemos, recairíamos em um colossal
erro), mas em sua grande maioria, este eleitor é tão estulto quanto o seu
representante eleito. Assim como todo profundo e obtuso ignorante, consciente
de sua falta de conhecimento e poder argumentativo, este público utiliza-se,
para defender o seu ponto de vista, de cômicas justificativas que recaem em
ilusórias experiências, tais como “no meu tempo
não era assim”, ou nostalgias não-vividas do estilo
“meu pai disse que não era assim”,
ou até mesmo fantasias virtuais como “salvemos o
Brasil dos esquerdistas” ou
dos “comunistas que comem criancinhas”
(aliás, será que este perfil sabe o que é o comunismo? Será que leram o básico
e complexo Manifesto do Partido Comunista? Certamente
não). Como diálogo não há, e mesmo se houvesse não haveria muito a ser
debatido, este eleitor/eleito tende, quando confrontado, a reagir violentamente
(tanto fisicamente quanto simbolicamente), fechando-se em sua colossal
arrogância – e nisto consiste toda a sua argumentação!
Quanto
aos idiotas, os deixemos com Horácio Quiroga, que em A galinha degolada demonstrou o
poder nocivo destes “inofensivos seres”;
quanto ao seu papel político, empreguemos a expressão de Brecht: são “analfabetos
políticos” (sem jamais esquecer que estes votam,
e, votando ou não, servem como infalível massa de manobra). Aliás, é importante
ressaltar esse ponto. Este eleitor/cidadão desinformado, com a característica
picardia de homem hobbesiano em estado de natureza (ou selvagem), serve como um
atuante político responsável pelo suporte de regimes extremistas, além de
diversos autoritarismos e golpes de Estado.
No
Brasil não é diferente, pois temos lá nossas tropicais insanidades, muitas
vezes fomentadas conscientemente por uma viperina elite tupiniquim que lhes
brinda com patos amarelos e lhes esvaziam as panelas, para delas se servirem
como instrumentos para variadas sonatas e sinfonias (aliás, sejamos mais
realistas, pois eles(as) gostam mesmo é de uma “vai malandra”, afinal, por mais moralistas que
sejam, o predomínio do primitivo instinto sexual sempre fornece alguma exceção
à monogamia).
Defender
medidas enérgicas contra a criminalidade, por exemplo, é essencial,
independentemente da ideologia política (mas não sejamos, todavia,
deterministas míopes ou imediatistas, como é este público que exalta em
sanguinária verborragia jargões do estilo “redução da maioridade penal” e
“execução”). Neste quesito, é papel constitucional do Estado reinserir o
cidadão, após pena cumprida, na sociedade. Mas sabe-se ser falho este processo,
e é desta falha nas instituições que é retirado o âmago do discurso que forma
diversas plataformas políticas; assim como leva alguém a votar em Bolsonaro.
A violência, criminalidade, ineficiência,
morosidade, descrença, pessimismo, crise generalizada, etc., são fatores chaves
para compreender a ascensão de discursos de ódio. É por meio destes
comportamentos, jamais propositivos, ou melhor, beneficamente propositivos, que
tais afetados representantes “da moral e
dos bons costumes” fazem o seu desesperado apelo à
antiga “ordem”
estabelecida. Mas como fazem isto? Por meio do apelo tradicional (vide, por
exemplo, a agenda da bancada evangélica).
Eis
o porquê da viável e necessária parceira com instituições tradicionais, tais
como as representações religiosas (geralmente reacionárias em termos sociais).
Inclusive, este ponto é crucial, pois sabendo que os culpados são os “esquerdistas” (que em suas limitadas visões são
homogêneos e unidos), é natural que concebam qualquer viés social como uma
premissa “esquerdista” e,
por isto, sem valor. Como resolver mais este paradoxal contratempo? Pode-se
supor que, dentre as alternativas cogitadas por este público, esteja o
desmantelamento do Estado, tornando-o mínimo e entregando-o à acumulação de
capital financeiro (permanece, entretanto, a dubiedade: será que eles seriam
capazes administrar esta selvageria proposta ou serviriam apenas como meros
instrumentos de administração – os vulgos testas-de-ferro?).
Não
podemos menosprezar o poder corrosivo que essas pessoas disseminam em meio à
sociedade, pois basta analisar o exemplo dos Estados Unidos, Argentina e, também, o caso singular do Brasil e
do Paraguai. A atual gestão política destes países demonstra que há, de fato,
certo poder nos delírios destas pessoas, sendo que as mesmas são capazes de
levar muitos oportunistas e/ou demagogos ao poder. Em outras palavras, elas são
usadas, sem assim o saberem, por aqueles que verdadeiramente possuem capacidade
de transformar este ódio generalizado em votos válidos, o que não é o caso de
um simples Bolsonaro. Maquiavel dizia que deveríamos aprender com
a História, e que esta é melhor professora.
Então exercitemos: para quem diga que políticos ou governos são todos iguais
(como é o caso dos eleitores de Bolsonaro), questiona-se: acaso não mudou nada,
não importa se para melhor ou pior, entre a gestão de Rousseff e de Temer? É claro que mudou! Políticos não são todos
iguais…
Aliás,
suponhamos um exemplo hipotético deste comportamento irracional. Se Lula, o “culpado de
todos os males” na versão dos asseclas de Bolsonaro
& Cia., viesse a óbito neste exato momento, será que este ódio
dissipar-se-ia? É bem provável que não. Nesse caso, este mesmo ódio seria
somente transferido para outra pessoa, ou grupo de pessoas; afinal, ele é
babilônico. Por falar nisto, soa bem interessante o fato de que sem uma
liderança representativa da esquerda, Bolsonaro também entra em ostracismo,
justamente por não ter a quem opor-se (ora, uma vez unidos culpado e problema
em uma só pessoa, e esta é eliminada, também elimina-se a necessidade de uma
solução). E, bem sabendo desta relação política, as alas verdadeiramente
organizadas e com potencial eleitoral (PSDB e PMDB), garantem expressividade neste cenário.
O
que significa, em uma visão racional e branda, votar em Bolsonaro?
Significa
uma ânsia e um descontentamento desesperado, junto ao clamor por mudanças reais
e efetivas. Até aqui, tudo bem, mas a questão é em quem é depositada esta fé,
assim como nos meios utilizados para tal apoteose. Além da mais sincera
comiseração que despertam, estas pessoas necessitam, desesperadamente, tomarem
consciência do mal que fazem não apenas para si, mas para todos os brasileiros,
ou melhor, para todos nós, humanos. Ser um cidadão consciente de seu potencial
ou um mero “eleitor de Bolsonaro & Cia”, o
que é melhor? Decidi vós mesmos.
(Pragmatismo Político)
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