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- Em 29 de setembro, a jornalista Renata (nome fictício a pedido da
entrevistada), 34 anos, chamou o Uber na volta de um samba na W3 Norte. Naquele
dia, o Eixo Monumental estava tomado pela manifestação Mulheres contra
Bolsonaro, que, segundo as organizadoras do evento, reuniu 30 mil pessoas (7
mil, nas contas da Polícia Militar). No lugar da tradicional balinha ofertada
aos passageiros, o motorista partiu para a agressão. Por responder que não
votaria no candidato do PSL, ela foi chamada de “petralha” e “vagabunda”. Ao
exigir que o homem parasse o carro, foi desrespeitada mais uma vez. “Ele
encerrou a corrida dizendo que os negros queriam que o Brasil tivesse uma
dívida eterna, mas que ele não tinha nada a ver com isso, pois nunca tinha
escravizado ninguém”, conta Renata, que é negra.
Embora
faltem estatísticas para se afirmar categoricamente que o processo eleitoral de
2018 é o mais violento desde a redemocratização, a escalada das manifestações
de ódio em redes sociais e nas ruas preocupa especialistas, que veem nos
ataques uma ameaça real à democracia. Para eles, a onda obscurantista encontrou
eco na retórica de candidatos que fazem declarações polêmicas em relação a
minorias, particularmente a comunidade LGBT, mulheres, indígenas e negros. O
próprio Jair Bolsonaro, identificado com a postura conservadora, foi vítima da
intolerância política e esfaqueado por um homem que, em depoimento à Polícia
Federal, justificou o ato, dizendo que pretendia “dar um susto” no capitão da
reserva, por se sentir ameaçado pelo discurso dele.
“Nós
temos um histórico de violência política, com a ditadura e os assassinatos do
período. É um passado que o país não enterrou”, afirma a socióloga Ariadne
Natal, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (NEV/USP). “Essa violência esteve presente ao longo dos últimos 30 anos,
mas não na dimensão que estamos vendo hoje”, diz. Ela lembra que, desde um
pouco antes da campanha eleitoral, houve dezenas de casos graves — como os
tiros contra a caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —, seguidos
de atos durante a corrida — como a facada em Jair Bolsonaro e o assassinato do
capoeirista Romualdo Rosário da Costa.
Relatos
se avolumam
Somam-se
a esses episódios os 137 ataques e ameças a jornalistas denunciados pela
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) o atropelamento de
um homem em Curitiba que usava camiseta com a imagem de Lula, a agressão ao
empresário que se manifestava contra o ex-presidente, em São Paulo, o homicídio
de um homossexual, também em Curitiba (o assassino teria gritado “Viva
Bolsonaro”, segundo vizinhos), a marcação com uma suástica em uma jovem que
carregava a bandeira LGBT e fazia campanha contra o candidato do PSL e a
tentativa de atropelamento, na Bahia, de um vendedor de camisetas de Bolsonaro.
“As pessoas estão apavoradas, os relatos vão se avolumando”, destaca a
pesquisadora do NEV/USP.
Atos
contra o patrimônio também evidenciam o clima de intolerância política. No Rio
de Janeiro, Daniel Silveira e Rodrigo Amorim, candidatos a deputado federal e
estadual pelo PSL, respectivamente, quebraram uma placa em homenagem à
vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada em março, e postaram a foto, sorrindo,
nas redes sociais. Ambos foram eleitos. Em Brasília, livros sobre direitos
humanos foram vandalizados na Biblioteca Central da UnB. “É como se tivessem
rasgado um pedaço de mim, porque é destruir os meus sonhos de um Brasil mais
igual e mais justo para todos”, conta Denise Fonseca de Carvalho, produtora
cultural que organizou uma das obras.
Doutora
e mestre em sociologia jurídica, a pesquisadora da Rede Feminista de Juristas
Evorah Cardoso destaca o risco de a retórica do ódio ser estimulada ou tolerada
por políticos. “Uma coisa é esse discurso vir da sociedade. Outra é quando
encontra caixa de ressonância em um partido. Isso é praticamente uma nova forma
de marketing eleitoral, extremamente perigosa. Os eleitores desses candidatos
sentem uma permissividade ainda maior para praticar a violência”, acredita.
Para
o cientista político Leonardo Paz Neves, especialista do Instituto Millenium,
caso não dê garantias de que grupos identitários não sofrerão perseguições,
Bolsonaro poderá perder votos. Ele não acredita que, de forma geral, os
eleitores do candidato apoiem o discurso discriminatório. “Sem dúvida, há um
grupo grande de pessoas bastante conservadoras, mas a maioria considera as
falas de Bolsonaro como bravata”, diz. A socióloga Ariadne Natal, pesquisadora
do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP),
afirma que é perigoso recorrer a essas bravatas em assuntos polêmicos, que
podem estimular a agressividade. “Mensagens extremamente perigosas acirram o
clima violento. Uma liderança jamais pode se colocar na trilha da barbárie.
Isso é inaceitável.”
Reações
Nos
últimos dias, o candidato do PSL se manifestou duas vezes sobre os episódios de
violência protagonizados por pessoas que dizem ser partidárias dele. “A esse
tipo de gente, eu peço que vote nulo ou na oposição por coerência, e que as
autoridades tomem as medidas cabíveis, assim como contra caluniadores que
tentam nos prejudicar”, tuitou. Em entrevista à TV Uol, o candidato perguntou o
que tinha a ver com os atos. “O cara tem lá uma camisa minha e comete um
excesso. O que eu tenho a ver com isso? Peço ao pessoal que não pratique isso,
mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam.”
Para
a professora da PUC-SP Elaini Gonzaga da Silva, pesquisadora de direito e
democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), essas
manifestações são insuficientes para conter a onda de barbárie que se instalou
nesse processo eleitoral. “Um único tuíte, genérico, no meio de uma enxurrada de
publicações dele, é irrelevante. Até porque a maior parte das pessoas que
pratica violência acha que não está sendo violenta, acredita que está agindo
adequadamente”, diz. Ela defende que o candidato do PSL seja mais direto e
coerente ao se comunicar com os eleitores. Lembrando uma entrevista de
Bolsonaro à TV Câmara, em 2010, em que ele disse que “um filho que fica meio
gayzinho leva um couro e muda o comportamento dele”, a professora afirma: “Não
adianta falar que tem de bater em filho e esperar que os eleitores dele não
batam em homossexuais na rua”.
De
acordo com Elaini, o discurso do candidato, que também já se posicionou a favor
da tortura, valida o comportamento daqueles que agem violentamente usando o
nome dele, mesmo que não autorizados diretamente pelo político do PSL. “A
responsabilidade é uma palavra que parece ter sumido do dicionário. Bolsonaro
se comporta como se ainda fosse um deputado do baixo clero, mas hoje ele está
em uma posição em que o que fala e faz tem efeito, validando e legitimando a
violência”, alerta.
“Eu estava voltando pra casa de metrô na sexta-feira, 5 de outubro, por
volta das 21h. Embarquei na estação do Plano Piloto e segui viagem. Ao chegar à
estação Guará, seis homens com camisas do Bolsonaro embarcaram no vagão em que
eu estava. Eles começaram a panfletar. As pessoas foram recebendo o material do
candidato e, quando chegou minha vez, eu recusei educadamente, falando ‘Não,
obrigado’.
Bastou isso para o rapaz dizer: ‘Toma cuidado, viadinho’. Então,
estendeu a mão mais uma vez com o panfleto. Eu fingi que não era comigo. Nesse
momento, ele falou: ‘Sua sorte é que eu desço na próxima, senão você ia levar
uma surra’. A segundos de parar na estação Arniqueiras, os seis começaram a
gritar: ‘Toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado’. O que mais me chocou é que
ninguém no vagão reagiu, ninguém perguntou se eu estava bem. Teve gente que deu
risada da situação.
Por medo de descer na mesma estação que eles, segui viagem e, ao chegar
na estação de Samambaia, falei com um segurança do metrô. Ele me disse: ‘Fica
calmo, isso é brincadeira dos caras. Liberdade de expressão, né?’. Eu saí de lá
arrasado. Fiz um boletim de ocorrência no site da polícia e entrei em contato
com a Ouvidoria do metrô, que não resolveu nada até o momento.
Senti total impotência diante de tanta violência. Muitas vezes, ouvi
piadas homofóbicas, mas nunca na vida eu tinha sentido medo como senti naquele
dia. Ser homossexual no Brasil é prova de fogo, ainda mais em tempos sombrios
como o que estamos vivendo. Eu temo não só pela minha vida, mas pela vida de
milhões de negros, LGBTs, mulheres e pessoas pobres, que serão os principais
alvos a partir de agora.”
CB
Política
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