25/01 - No dia a dia
de sua nova rotina, provocada pelo acirramento da ofensiva judicial contra ele,
não se fala de justiça. Lula tratou do processo com seus advogados – e, diz,
com satisfação, escolheu aqueles que melhor compreendiam a natureza política
das acusações contra ele.
Com o
partido, com os movimentos sociais e com seus interlocutores diários a conversa
é sobre mobilização política, toda ela construída em torno de uma pretensão do
partido de que ele dispute novamente a Presidência da República. Nos últimos
dias, passou a tratar do pós-24 de janeiro sem se referir ao fato de que, neste
dia, seria definido pelo TFR-4 o primeiro processo contra ele julgado por Moro,
e de que uma condenação poderia resultar num pedido de prisão.
O pós-24 é
reiteração de sua candidatura e preparação da Caravana da Cidadania no Sul do
país. Havia aventado também uma viagem à Etiópia, sede da União Africana. Seria
para dar um gás à Iniciativa África do Instituto, que era a menina de seus
olhos. Pretendia levar à África a experiência exitosa dos programas de combate
à fome de seu governo, mas foi atropelada pela asfixia econômica imposta à
instituição. Os planos que dependem só de sua vontade continuam de pé.
Não que nunca
tenha passado pela sua cabeça a condenação, e até a possibilidade de prisão. É
uma estratégia sua, pessoal, própria, de andar olhando para a frente.
Ele evita
pensar de cabeça quente: ninguém o verá aflito esperando uma matéria de uma
revista semanal no sábado ou domingo. São dias da família. Na segunda-feira,
provavelmente pegará todas as informações a respeito e tomará decisões. Aos
filhos, que foram atingidos duramente pelos seus adversários políticos, sugere
que evitem ficar preocupados com a vida do pai ou as suas.
O argumento é o de
que a briga será longa e eles têm que manter a serenidade. Semana passada,
mandou os três filhos homens viajarem com a família para esfriarem a cabeça. Só
voltaram na véspera do julgamento. Lurian, a única filha, que mora em Maricá,
só chegou em São Bernardo também na véspera.
No Sindicato
dos Metalúrgicos, ontem, Lula era a imagem da calma. Aos que tentavam ouvir os
votos dos desembargadores do TRF-4 na televisão do salão onde as visitas foram
esperadas com café de coador, misto frio, bolo de padaria e água, recomendava: “Não
ouve isso não. Não vale a pena.”
De camiseta
vermelha e calça jeans, o Lula de briga foi ao auditório agradecer a presença
dos apoiadores, cumprimentou um a um dos que apareciam na sala, tirou fotos com
quem pedisse, fez piadas e riu muito. Numa salinha reservada, no fundo do
salão, teve conversas políticas com pessoas próximas.
Não ouviu
nenhuma palavra dita pelos juízes, na sessão transmitida pelas cadeias de
televisão. Pegou as informações rapidamente com as pessoas que faziam isso por
dever de ofício (advogados ou dirigentes políticos ou de movimentos sociais).
A serenidade,
todavia, mantida em foro privado, torna-se indignação pública quando Lula
coloca o seu drama pessoal nos termos que deve ter, segundo ele: como um dado
da realidade política do país. “Eu não esperava que o Brasil voltasse a ter um
regime autoritário. Fiquei estupefato com o fato de montarem toda essa história
para tentar afastar qualquer possibilidade de volta da esquerda ao poder. Por
isso nunca acreditei que seria julgado imparcialmente. A justiça é parcial, tem
determinação política.” Vira ira quando comenta as denúncias contra os seus
filhos: “Eles são covardes, mentirosos.”
É por sua
família, mas principalmente pela política, que quer convencer o país de sua
inocência. “Não posso ficar chorando. Vou às ruas. Vou lutar pelo
reconhecimento de minha inocência, mas não apenas isso. Quero um pedido de
desculpas. O país não merece estar mergulhado numa crise em função da obsessão
das instituições pelo poder.”
Na visão dos seus
aliados, se a Justiça desconhece que não cometeu crimes – Moro teria ignorado
todas as provas apresentadas pela sua defesa, e o TRF-4 repetiu a façanha – por
outro lado, o trabalho de Lula para ter o reconhecimento popular vai de vento
em popa.
Nas pesquisas dadas ao conhecimento do partido, a convicção do
eleitorado em sua inocência já é majoritária; e surgiu uma faixa considerável
daqueles que consideram que, mesmo culpado, ele merece ter seus votos.
O julgamento
popular foi revertido nas ruas, pelo seu poder mobilizador, mesmo com
pouquíssima cobertura da mídia. É quase como que levantasse sua popularidade
com as próprias mãos.
Maria Inês Nassif, no Valor
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