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3 de dezembro de 2019

POR MAIS DIREITOS E MENOS VIOLÊNCIA, MULHERES VÃO ÀS RUAS NO MUNDO


03.12.2019 - Dezoito socos, cotoveladas e chutes. Vinte e oito facadas. A ira e a violência contidas nesses números podem levar o pensamento imediatamente ao Brasil, infame ocupante do pódio mundial dos homicídios. Mas falamos de um dos países que primeiro abriram os olhos para a importância das políticas públicas de combate à violência. Foi assim que morreram, na média, as mais de mil mulheres assassinadas por maridos, namorados, ex-companheiros ou parentes próximos na Espanha na última década.

O assassinato de uma mulher por sua simples condição de gênero é o mais grave sintoma de uma desigualdade que persiste, apesar dos avanços. Embora os homicídios estejam em queda em todo o mundo nos últimos anos, os feminicídios mantêm-se estáveis, segundo dados do mais recente estudo da Organização das Nações Unidas.

A ONU estima que ao menos 1 em cada 3 mulheres e meninas serão vítimas de violência física ou sexual ao longo da vida. Mulheres que sofrem abuso físico ou sexual têm duas vezes mais chances de fazer um aborto. A experiência quase dobra a probabilidade de cair em depressão.

Também há evidências de que mulheres agredidas sexualmente têm 2,3 vezes mais chances de ter problemas com o alcoolismo. As estatísticas mostram ainda que, em todas as partes do globo, a casa continua a ser o lugar mais perigoso para uma mulher. Diferentemente da violência urbana, a violência contra a mulher raramente é espontânea e aleatória. Trata-se de uma escalada que começa muito antes do primeiro tapa. O ápice ocorre, em geral, quando a mulher decide romper o relacionamento. Ter um filho do agressor aumenta os riscos de sofrer violência.

Mulheres e meninas são 71% das vítimas de tráfico humano mundial. Este último fenômeno segue um ciclo perverso: em países como a Costa do Marfim, foge-se para escapar das torturas e violência por parte da família. Sob promessa de emprego e moradia, muitas acabam nas mãos de traficantes.
O principal destino da viagem passa a ser a Tunísia, onde começa a fase de exploração ou, em alguns casos, a Líbia, onde a exposição à violência aumenta consistentemente devido à instabilidade do país. A Europa torna-se então a única chance de escapar da exploração e do abuso.

Ainda hoje a casa é o lugar mais perigoso para o sexo feminino

Essas estatísticas deixam explícito que a violência contra a mulher é muito mais do que assunto privado ou interesse “minoritário”. Trata-se de problema político, e tampouco conhece limites geográficos ou culturais. Na “civilizada” Suíça, celebrada pelas políticas de igualdade de gênero, as mulheres foram metade dos mortos em 2019. A França tem uma das maiores taxas de feminicídio da Europa: uma mulher é morta pelo parceiro a cada três dias.

Para uma fatia considerável dos italianos, o comportamento feminino tem uma responsabilidade significativa na “provocação” a reações violentas. Um em cada quatro cidadãos do país acha que estupros estão relacionados à roupa que a vítima usava na ocasião. No último fim de semana, milhares de mulheres saíram às ruas no mundo sob uma mesma bandeira: contra a violência doméstica e o feminicídio, a favor da liberdade de expressão e sobre o próprio corpo. Do Ni Una a Menos na Argentina ao #NoutToutes (Nós Todas) na França, o clamor foi movido por um senso de autodefesa e reinvindicação de direitos fundamentais. O movimento foi impulsionado pelas celebrações do Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, instituído pela ONU em 1999.

Uma das mais prestigiadas pensadoras feministas da América Latina e especialista em violência de gênero, Rita Segato defende não haver paz verdadeira sem a paz entre homens e mulheres.

No livro La Guerra Contra las Mujeres de 2016, a antropóloga argentina reflete sobre o significado da violência contra a mulher em cenário de concentração de renda e recrudescimento de poderes paraestatais. Escreve: “Enquanto não se causar uma rachadura definitiva no vidro duro que estabilizou desde o início dos tempos a pré-história patriarcal da humanidade, nenhuma mudança relevante na estrutura da sociedade parece ser possível – precisamente porque não foi possível”.

Em um mundo no qual um grupo cada vez menor de homens decide quem vive e morre, os crimes contra a mulher refletem as formas contemporâneas de poder. Encarar esse tipo de violência sob a ótica do paternalismo e do senso comum, defende, acaba por validar esse ethos violador. É preciso lidar com a violência contra a mulher como se fosse uma guerra que deve ser redefinida com urgência, analisada sob uma nova luz e incorporada a novas categorias legais, especialmente no Direito Internacional.

Outra destacada pensadora feminista que segue a mesma linha é a italiana Silvia Federici. Sua obra traça paralelos entre a perseguição às bruxas na Europa medieval, as raízes do capitalismo e a atual violência contra as mulheres. “É um momento de grande perigo, as mulheres estão no centro dos ataques, tanto institucionais quanto individuais. Mas não somos só vítimas, não gosto dessa posição. Acho que muito dessa violência é na verdade uma reação à nossa luta”, disse em entrevista a CartaCapital em outubro.

É no Caribe e na América Latina que os crimes contra a mulher atingem, no entanto, os níveis mais alarmantes. Brasil, Colômbia e México concentram 65% de todos os casos de violência na região. Por aqui, a morte violenta intencional de mulheres no ambiente doméstico subiu 17% em 5 anos, segundo dados do Dados do Atlas da Violência. Morreram assassinadas por condições de gênero 1.173 mulheres em 2018, contra 1.047 em 2017.

O assassinato de mulheres nas ruas diminuiu 3% no mesmo período. Essa violência doméstica cresceu especialmente entre a população negra. Enquanto a violência contra as mulheres brancas aumentou 297% entre 2010 e 2017, contra as mulheres negras o crescimento foi de 409%. As moradoras das cidades estão duas vezes mais propensas a sofrer com a violência que os homens, especialmente nos países em desenvolvimento.
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