08/02 - “Fui
abusada por ele pela primeira vez quando estava no jardim de infância. Foram
seis anos de abusos. O que mais me machucou foi ver o momento em que meu pai
percebeu o que tinha acontecido. Nós dois tentamos de tudo para reconstruir a
nossa relação até que ele suicidou em 2016 [...]”
“Sem meu conhecimento ou meu consentimento tive minha primeira
experiência sexual quando estava no jardim de infância. Você usou meu corpo por
seis anos pra se satisfazer sexualmente. (…) criou uma fratura gigante entre
mim e minha família. (…) Sempre que a gente brigava meu pai me dizia: ‘você precisa
pedir desculpas pro Larry’. O que mais me machucou foi ver o momento em que meu
pai percebeu o que tinha acontecido. Nós dois tentamos de tudo para reconstruir
a nossa relação até que ele suicidou em 2016.” –
Kyle Stephens.
“Ninguém estava preocupado se a gente estava sendo abusada.” –
Jordyn Wieber
“Seus abusos começaram há 30 anos. Se em todo esse tempo apenas um adulto
ouvisse, e tivesse a coragem e o caráter de agir, essa tragédia seria evitada.” –
Aly Raisman.
“Larry abusou sexualmente de mim repetidas vezes, com a desculpa de ser
médico, por um ano. E fez isso com a minha mãe no quarto. Ele teve o cuidado de
bloquear a visão dela para que ela não visse o que ele estava fazendo. Eu não
sabia que ao mesmo tempo em que Larry abusava de mim, a Federação de Ginástica
dos Estados Unidos enterrava relatórios sobre casos de abuso, criando uma
cultura de predadores de crianças.” –
Rachael Denhollander
“Como eu deveria saber, aos 13 anos, o que era medicamente aceitável e
quais eram os limites?” –
Kara Johnson.
“A escola que eu amava e confiava teve a audácia de me dizer que eu não
entendia a diferença entre abuso sexual e procedimentos médicos.” –
Amanda Thomashow.
“Durante os tratamentos, ele mantinha uma mão na parte inferior das
minhas costas, massageando, e a outra entre as minhas pernas, com seus dedos
dentro de mim. Eu chorava, porque doía, mas ele dizia que precisava enfiar
bastante.” – Clasina Syrovy
IMAGINE
UM LUGAR com 156 crianças. Um daqueles pátios de escola barulhentos e quase
insuportáveis de se estar por muito tempo. Cento e cinquenta e seis meninas.
Todas elas com o sonho de se tornarem atletas olímpicas da equipe dos Estados
Unidos – de transformarem suas vidas, ganhar medalhas, subir em pódios no mundo
todo, dar orgulho para suas famílias e para o seu país.
Todas
elas contando com a ajuda de um mesmo médico, a pessoa contratada pela Federação Americana de Ginástica que
poderia garantir sua excelência no esporte: Larry Nassar.
Esse
médico tratou essas meninas, criou laços com suas famílias, ganhou sua
confiança e passou a fazer parte de suas vidas. E então passou a abusar
sexualmente de cada uma delas, repetidamente por três décadas. E o abuso, que
acontecia durante as consultas médicas, não era algo claro para crianças ou
adolescentes. Hoje ainda não falamos de sexo com as crianças de maneira que
elas fiquem seguras para discernir o que pode e o que não pode ser feito com
seus corpos, imagina como isso era feita há 15 ou 20 anos…
Larry
não era apenas o médico, mas um amigo da família, assim como 60% dos abusadores
sexuais de crianças nos Estados Unidos e 32,2% no Brasil: são cuidadores,
babás, médicos, vizinhos, tios, padrastos, aquelas pessoas a quem você confia a
guarda de seus filhos. E é aí que mora o perigo: como você vai desconfiar de
alguém assim?
Como
vai acreditar no que diz uma criança – quando diz – que é cheia de imaginação e
pode estar confundindo as coisas? Como você vai colocar a vida de um homem
adulto, prestigiado, de quem você gosta, em risco porque uma criança acha que
pode estar sendo tratada de maneira imprópria? A cultura criada em nossas
sociedades nos leva a esse caminho sem volta.
Talvez
por isso o Departamento de Justiça americano aponte que apenas 30% dos casos de
abuso sexual entre adultos são reportados às autoridades. O número entre
crianças é obviamente mais baixo. Afinal, se não serão ouvidas, falar pra que?
Não
falar sobre sexo com crianças é o maior desejo dos abusadores pedófilos
A
que número gritante isso nos leva? Em 1998, 1.8 milhão de adolescentes havia
sido vítima de abuso sexual nos EUA e os dados apontavam que uma a cada cinco
meninas sofreria um estupro antes dos 18 anos. Se os dados existem há tanto
tempo, por que nada foi feito para mudar a maneira que encaramos os abusos?
Toda
a sociedade é moldada para que se proteja a vida dos adultos, por mais que a
gente adore dizer que as crianças são nossa prioridade. Elas não são. O peso de
suas falas é quase nulo. Elas não são colocadas no mesmo patamar que os
adultos, não são vistas como pessoas completas. Elas, as mais vulneráveis entre
todos nós, são descreditadas mesmo antes de tentarem se posicionar.
Já
que não temos como identificar quem serão os abusadores, por que não educamos
nossas crianças sobre sexo? Por que não explicamos a elas os limites do toque,
do contato físico? O argumento de que falar sobre sexo com uma criança seria um
desejo pedófilo é cruel e irreal. Não falar sobre sexo com crianças é o maior
desejo dos abusadores pedófilos, assim eles podem dar ao que estão fazendo o
nome que bem entenderem. Abuso vira tratamento médico nas mãos de Larry Nassar.
Nunca
vamos saber se a Federação de Ginástica dos Estados Unidos,
as escolas e os times das atletas quiseram se proteger e por isso esconderam os
casos, se seus representantes realmente não acreditavam que algo estranho
pudesse estar acontecendo ali; ou se temiam por perder os investimentos que
haviam feito nessas crianças, seus treinamentos e cuidados. Os motivos desses
abusos terem se arrastado durante anos e somado um número tão alto de vítimas
ainda são um mistério nunca serão descobertos. Mas sabemos que houve
negligência. E isso é crime. Não é apenas Larry Nassar que deveria estar preso,
mas cada uma das pessoas que se recusou a levar em frente as denúncias que as
jovens atletas tentaram fazer.
(PragmatismoPolítico)
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