Ao prever que a
matrícula na disciplina de ensino religioso será facultativa, a Constituição
Federal resguardou a laicidade do Estado e a liberdade de crença da população.
Assim, não faz sentido alterar a interpretação vigente da Constituição e
aplicar o ensino não-confessional no Ensino Fundamental nas escolas públicas do
Brasil.
Com esse argumento,
o ministro Dias Toffoli julgou “totalmente improcedente” a ação direta de
inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contra
trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no acordo firmado entre o
Brasil e a Santa Sé (Decreto 7.107/2010).
Na sessão do
Supremo Tribunal Federal desta quinta-feira (21/9), os ministros Gilmar Mendes
e Ricardo Lewandowski, assim como Toffoli, discordaram do relator, Luís Roberto
Barroso, e viraram o placar para 5 a 3 no sentido de desprover a ADI
apresentada pela PGR.
A ADI, sustentou
Toffoli, só deveria ser provida se houvesse uma mudança do retrato atual da
sociedade brasileira em relação a 1988, quando a Carta atual passou a
vigorar. Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
entretanto, indicam que o comportamento da população não mudou, uma vez que 92%
declararam-se adeptos a alguma religião.
“Pressupostos
culturais da sociedade de hoje continuam os mesmos e os dados mostram isso”,
garantiu. E não se trata, disse, de defender posição majoritária em detrimento
da minoria religiosa, pois o Estado não é inimigo da fé e leva em consideração
os sentimentos religiosos de cada um. Além disso, a relação da igreja católica
com o Estado é regrada em 186 países do mundo e não há inconstitucionalidade
nisso, disse, em relação ao acordo de Santa Sé.
Gilmar, por sua
vez, citou diversos tratados internacionais e decisões de cortes de direitos
humanos que não veem no ensino confessional ou interconfessional uma afronta à
liberdade religiosa. Ele leu trechos da Constituição em que Deus é citado
e afirmou que isso não retira a laicidade do Estado, uma vez que a religião
cristã faz parte da cultura do país. A tentativa de implantar o modelo não
confessional, disse, seria uma forma de o Estado tutelar a religião.
Ele também ironizou
os argumentos que
buscam impedir a interação entre religião e a sociedade.
“Aqui me ocorre uma dúvida interessante: será que precisaremos em algum momento
chegar ao ponto de discutir a retirada a estátua do Cristo Redentor do morro do
Corcovado, por simbolizar a influência cristã em nosso país? Ou a extinção do
feriado de Nossa Senhora de Aparecida? A alteração dos nomes dos estados? São
Paulo passaria a se chamar Paulo? Santa Catarina passaria a se chamar Catarina?
E o Espírito Santo? Poderia se pensar em espírito de porco ou em qualquer outra
coisa. Portanto, essas questões têm implicações”, avaliou.
O modelo não
confessional consiste na exposição neutra e objetiva da prática, história e
dimensão social das diferentes religiões, incluindo posição não religiosas.
Fosse assim, disse Gilmar, tornaria-se uma aula de filosofia ou sociologia e se
perderia a figura do ensino religioso previsto na Constituição.
No modelo
confessional, uma ou mais confissões são objeto de promoção; no
interconfessional, o ensino de valores e práticas religiosas se dá com base em
elementos comuns entre credos dominantes na sociedade.
Para Lewandowski, a
Carta, em harmonia com o entendimento internacional sobre o tema firmado em
cortes europeias de direitos humanos, estabeleceu parâmetros precisos que,
por si só, são suficientes para garantir o respeito integral aos direitos e
interesses de todos que frequentam a escola pública. Além de defender a
facultatividade da disciplina, ele também afirmou que o aluno deve poder pedir
desligamento dessas aulas a qualquer tempo.
“Isso porque,
diante da delicadeza do tema, se o docente não for suficientemente sensível a
diferenças religiosas ou se o programa apresentar caráter sectário, a dispensa
dos alunos sem nenhum tipo de impedimento constitui garantia à liberdade de
crença”, afirmou.
Ele também defendeu
que não há incompatibilidade entre democracia e religião no Estado laico, ao
contrário, ambas devem ser parceiras na busca pelo bem comum. “A laicidade não
implica no descaso estatal com as religiões, mas sim na consideração com as
diferenças, de maneira à Constituição prever a colaboração do interesse público
e as crenças”, considerou.
Autorizar o ensino
confessional, frisou, em nada ofende o dever de neutralidade do Estado, ainda
que algumas religiões possam ser predominantes. O propósito da educação é
fornecer aos alunos o conhecimento necessário para compreensão dos valores e o
papel da religião no mundo. “Não cabe ao STF mudar o regramento para o ensino
religioso nas escolas públicas, pois, por mais analítica que seja a CF, o
texto foi adequadamente parcimonioso”, disse.
Até o momento, os
ministros Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin, Gilmar, Toffoli e Lewandowski
votaram pela improcedência da ação; Luiz Fux, Rosa Weber e o relator, Luís Roberto
Barroso, foram no sentido contrário. A decisão só vale para alunos do Ensino
Fundamental de escolas públicas e não alcança colégios particulares.
(Conjur)
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