18 de JUN 2020 - A seca atual que aflige o Nordeste iniciou em
2012 e se intensificou desde então. Ela já dura cinco anos e é considerada a
mais severa em várias décadas. A intensidade e a persistência da atual estiagem
podem ser indícios de que os extremos da variabilidade climática já começaram a
cobrar a sua fatura no Nordeste brasileiro. E a conta pode aumentar se esses
extremos passarem a ser mais frequentes e intensos em cenários de mudanças
climáticas nas próximas décadas.
“As projeções de clima geradas pelos modelos
climáticos sugerem que, daqui para a frente, as estiagens mais severas e
prolongadas tenderão a ser a regra, não mais a exceção, porém a incerteza de
ter este cenário futuro ainda existe”, afirma o hidrologista e meteorologista
José Antonio Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de
Desastres Naturais (Cemaden) em Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo.
Os pesquisadores basearam o estudo em
projeções climáticas estimadas a partir da aplicação ao Nordeste dos modelos
climáticos globais do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014.
A seca é um fenômeno natural no Nordeste. Há
relatos da sua incidência desde o século 16, ou seja, desde o início da
colonização do país. O clima hoje é semiárido, mas no futuro poderá não ser
mais. Em outras palavras, o sertão pode se tornar uma zona árida e favorecer um
processo de desertificação na região, afirma Marengo.
A época das chuvas no Nordeste acontece entre
os meses de março e maio. É nesse período que a precipitação fornece a água que
irá ser armazenada nos milhares de cisternas espalhadas pela região, água
guardada pelos pequenos agricultores para os meses de estiagem.
Atualmente, durante os meses chuvosos não
chove todos os dias. Há intervalos sem precipitação que duram de cinco a seis
dias. O que as projeções indicam é que, durante o período chuvoso, esses
intervalos “secos” tenderão a ser mais numerosos e mais longos. No futuro, os
“veranicos” poderão se estender por até 40 dias. Ou seja, a quantidade de
precipitação nos meses chuvosos tenderá a ser menor do que a atual.
Isso irá impactar diretamente na quantidade
de água que poderá ser armazenada no solo e nas cisternas. Menos dias de chuva
se traduzem em menos água nas cisternas e no solo que tende a ressecar, com
prejuízo para a vegetação do semi-árido, adaptada a um volume sazonal de chuvas
que se torna mais deficiente.
De acordo com as projeções, menos chuva
significa também dias mais quentes. Esse é um processo que já vem acontecendo
há muito tempo. De acordo com Marengo, as projeções passadas indicam que a
temperatura média no Nordeste já aumentou 0,8 grau centígrado entre 1900 e
2000.
Foram feitas projeções para estimar as
alterações no índice de chuvas e nas temperaturas médias do Nordeste tanto ao
longo do século 20 quanto até o final do século 21. O aquecimento vai aumentar.
Na melhor das hipóteses, as projeções apontam para uma elevação nas
temperaturas médias de outros 2 graus centígrados até 2040, o que poderia
também estar acompanhado de períodos secos mais intensos e longos.
No pior dos cenários, o aumento das
temperaturas prosseguirá até pelo menos o fim do século 21. Isso fará com que,
em 2100, as temperaturas nordestinas sejam em média até 4,4 graus superiores às
atuais. Nestas condições, se medidas governamentais sérias e imediatas não
forem tomadas para, por exemplo, conter os desmatamentos, o sertão pode virar
um grande deserto, alerta Marengo.
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