O dia 31 de julho marca o desaparecimento de Antoine Saint-Exupéry,
que teve seu avião abatido por alemães enquanto fazia uma missão de
reconhecimento em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Mais do que
autor de "O Pequeno Príncipe", cuja adaptação para os cinemas chega ao
país em meados de agosto, o francês é dono de uma obra respeitável,
porém sufocada pelo seu clássico infanto-juvenil.
Mônica
Cristina Corrêa, pós-doutora em Literatura Comparada Brasil-França,
ligada à Succession et Fondation Saint-Exupéry e que desde 2005 se
dedica a estudos sobre o autor, diz que, ao se aterem ao clássico
absoluto de Saint-Exupéry, as pessoas perdem a oportunidade de conhecer o
autor em si. "Muitos leitores se limitaram a repetir trechos do
'Pequeno Príncipe' como clichês de cartões de aniversário e não se deram
a oportunidade de conhecer o piloto pioneiro. Menos ainda, o piloto
militar que morreu pela França, que se deixou imolar por seu país... É
lamentável, mas é consequência do mundo em que vivemos, no qual o
'produto' se sobrepõe a tudo".
Todos os livros do escritor
dialogam fortemente com seu ofício de aviador, em uma época na qual
guiar um avião era algo de extrema periculosidade. Cruzando os céus,
Saint-Exupéry foi o responsável pelo correio entre a França e suas
colônias na África. Também viveu dois anos no deserto do Marrocos, onde
precisava dissuadir rebeldes a cessarem com os sequestros de outros
pilotos franceses. "Seu dom para a comunicação fez dele um homem
rapidamente estimado pelos árabes e possibilitou que salvasse alguns
camaradas", pontua a pesquisadora. Em seguida, o francês se tornou
piloto militar.
Essa experiência está presente em seis de seus
títulos, "Correio do Sul" (1929), "Voo Noturno" (1931), "Terra dos
Homens" (1939), "Piloto de Guerra" (1942), "Carta a um Refém" (1943), e,
claro, "O Pequeno Príncipe", também de 1943, e em alguns outros textos e
contos. A exceção à regra é "Cidadela", publicado postumamente. "Não se
trata simplesmente de falar dos aviões ou da profissão: Saint-Exupéry
diz que o avião, para ele, é 'uma ferramenta' e não uma 'finalidade'. Ou
seja: é o meio que lhe permite observar a vida – e literalmente do
alto", diz Mônica, que também é tradutora das novas edições de "O
Pequeno Príncipe" e "Piloto de Guerra" que serão lançadas pela Cia. das
Letras.
A especialista lembra que o autor afirmou em uma
entrevista: "Tenho horror da literatura pela literatura. Por ter vivido
ardentemente, pude escrever fatos concretos. Foi meu ofício que
determinou meu dever de escritor", o que escancara como todos os seus
livros refletem suas próprias experiências.
"'O Pequeno Príncipe' foi transformado num produto"
Mônica lamenta que o restante dos livros de Saint-Exupéry seja
praticamente sobrepujado pela história do pequeno aviador perdido em um
deserto. Segundo ela, isso acaba por simplificar e banalizar a vida e a
obra do autor e diminui o próprio "O Pequeno Príncipe", que, recortado e
afastado dos outros títulos, perde muito de sua riqueza.
"É
claro que uma obra pode e deve ser lida como texto independente e cada
leitor terá seu momento e sua interpretação. Mas o 'O Pequeno Príncipe',
por ter sido o último livro escrito por um autor do quilate de
Saint-Exupéry, mereceria uma leitura mais aprofundada e que conduzisse
ao universo específico e maravilhoso de seu criador. Isso não acontece.
São suas frases que viraram clichês, muitas vezes através de traduções
únicas e pouco ligadas ao original, desenhos que viraram produtos de
consumo, fantasias que desviam de um profundo senso de reflexão e de
filosofia que o livro efetivamente tem".
Saint-Exupéry não
conheceu todo o sucesso de sua obra mais famosa. Depois de publicar "O
Pequeno Príncipe" em 1943, em Nova York, o autor embarcou para a guerra
que o vitimaria antes que o livro infanto-juvenil chegasse à França, em
1946. Em vida, o escritor foi reconhecido, e inclusive premiado, por
tudo o que precedeu o título que agora vira filme, chegando a ser o
francês mais lido nos Estados Unidos naquela época. "Para quem lê apenas
'O Pequeno Príncipe', sinceramente, Saint-Exupéry, em toda a sua
grandeza, inexiste. Há nos dias de hoje quem leia a obra e nem saiba
quem a escreveu", diz Mônica. "Mas talvez essa também seja a função de
uma obra, imortalizar uma ideia e não um homem", completa.
(Uol)
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