17/03 - Na
terça-feira 13, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen
Lúcia, desembarcou no Aeroporto de Congonhas para um evento em São Paulo. Um
táxi a aguardava. Preocupada com o trânsito intenso, ela comentou sobre o risco
de não chegar no horário. Sem dar um pio, o motorista enveredou por caminhos
alternativos para driblar os congestionamentos. Ao fim, deixou Cármen Lúcia no
local combinado e, para seu alívio, a tempo. A presidente do STF agradeceu. “Só
fiz porque era a senhora. Se fosse qualquer outra daquelas autoridades de
Brasília, ia ficar mofando no engarrafamento”, respondeu ele.
Situações
como a vivida com o taxista em São Paulo representam um alento para a
presidente do Supremo. Em sua avaliação, o STF nunca esteve sob tanta
eletricidade político-jurídica.
O QUE DISSE A PRESIDENTE DO STF
Em
conversas com assessores e colegas de toga, a presidente do STF teceu uma série
de considerações sobre o atual momento de efervescência da Suprema Corte.
“Celso
de Mello (decano, o ministro mais antigo) e Marco Aurélio Mello (o segundo mais
experiente) me disseram, e eu concordo, que nunca na história o STF viveu
momento tão tenso”, disse Cármen Lúcia a um interlocutor. Ela, porém, evita se
deixar levar pelas inclementes pressões que vem sofrendo, oriundas
especialmente daqueles que desejam livrar da cadeia o ex-presidente Lula,
condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos de prisão.
Esforça-se para sobreviver serena e incólume. Ocorre que, não raro, o
presidente de um poder, como o Supremo, precisa falar não apenas nos autos, mas
bem alto.
Seguindo
essa premissa, ela reagiu. Nos últimos dias, fez uma série de desabafos. ISTOÉ
recolheu algumas frases ditas por ela em conversas com assessores e pessoas
próximas, que resumem como Cármen Lúcia avalia os desafios enfrentados no
comando do Poder Judiciário.
“São
desafios inerentes ao cargo, muito mal compreendidos nesse que é um dos
momentos mais complexos da nossa história”, disse ela, numa das conversas.
Na verdade, longe de se contaminar pelas manifestações de apoio, Cármen Lúcia cultiva hoje a impressão de que sua atuação não agrada a ninguém. “Quando eu era professora, achava que um ou outro aluno provavelmente não gostava de mim. Porque era reprovado, porque tinha alguma nota baixa. Como juíza, imaginava que uns 50% não gostavam de mim, porque uns eu condenava e outros absolvia. Aqui na presidência do Supremo, fico com a sensação de que ninguém gosta de mim. Qualquer decisão que eu tome vai agradar e desagradar. Ainda mais num momento como esse”, avaliou em reunião com um de seus auxiliares.
A razão principal das pressões sofridas por Cármen Lúcia diz respeito à indecorosa tentativa de revisão da prisão após condenação em segunda instância. Nos últimos dias, uma romaria de políticos – e também de ministros da própria Corte – se dirigiu ao gabinete da presidente do STF. No início da semana, cinco ministros do STF ensaiaram uma união para tentar tirar de Cármen a prerrogativa de recolocar o tema em pauta. Em vão. Na quarta-feira 14, Cármen recebeu um grupo de deputados da oposição. Os parlamentares entregaram a ela um documento assinado por 12 partidos no qual foi solicitada a inclusão do habeas corpus em favor de Lula na agenda do STF. Ao que a ministra jogou a bola para o relator a Lava Jato no STF, Edson Fachin, com quem se encontra hoje o novo pedido de HC do ex-presidente petista.
Tudo
indica, no entanto, que não irá prosperar. Como também não prosperou o pedido
do petista ao TRF-4 de ser notificado por email sobre o julgamento dos embargos
de declaração, cinco dias antes do derradeiro julgamento.
Apesar da sucessão de reveses, a banca que defende o ex-presidente Lula exerce marcação cerrada. Na própria quarta-feira 14, o advogado José Paulo Sepúlveda Pertence esteve pessoalmente com Cármen. E, depois, também com Fachin. Para a presidente do Supremo, o encontro é absolutamente normal. Mas a quem deu-lhe ouvidos, na última semana, ela tocou o cerne da questão: “É absolutamente natural que o juiz escute essas alegações para formar o seu juízo. Agora, não se pode levar em conta a eventual importância ou popularidade do réu. As alegações de Lula ou as de qualquer outro preso que eu condenei têm o mesmo peso. São a mesma coisa”, comparou ela, de acordo com seu interlocutor. É a essência do conceito de Justiça cega.
Nesse sentido, ela busca atender a todos da mesma forma. No dia 1º de março, por exemplo, quando a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), plantou-se na antessala de Cármen Lúcia acompanhada de outras dez parlamentares, comunicando que dali não sairia enquanto não fosse recebida, a presidente do STF foi aconselhada por Celso de Mello a não atender a comitiva. “Isso é um desrespeito”, resumiu ele. Cármen Lúcia não seguiu o conselho: “Vou ouvir o que elas querem dizer”, disse ela. De acordo com um assessor, a presidente do STF estabelece regras para impedir que tais conversas extrapolem e gerem maiores constrangimentos. “Aqui, ainda que o interlocutor seja amigo, o tratamento é “senhora”, “ministra”, “presidente”. Tudo segue esse protocolo para que ninguém sinta espaço para extrapolar”, explicou ela depois do encontro.
A presidente do Supremo reúne convicções firmes quanto às razões que a levam a resistir à imensa pressão para colocar na pauta da Corte a mudança do posicionamento que permite a prisão após condenação em segunda instância. Para ela, revisões dessa natureza precisam ser feitas com muito cuidado e parcimônia. Só devem ocorrer quando o pensamento da sociedade acerca de um tema evolui. Mas tal evolução evidentemente não aconteceu com relação a um tema que foi tratado pelo STF num intervalo de apenas um ano e meio. O Supremo já tratou da prisão após condenação em segunda instância três vezes. A última em outubro de 2016.
Para
Cármen Lúcia, uma eventual alteração de postura agora não derivaria da evolução
do pensamento da sociedade. Mas somente porque o personagem central é um
ex-presidente da República de um partido político de expressão.
Ou
seja: uma decisão de caráter meramente pessoal. Além disso, para Cármen Lúcia,
pedidos de revisão nunca deveriam partir de quem foi vencido nas apreciações.
“Na Suprema Corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um
posicionamento”, explicou ela a um interlocutor na semana passada. “Imagine:
quem foi vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até deixar de ser vencido
e virar vencedor?”
A
presidente do Supremo, na verdade, formou entendimento de que a prisão após
condenação em segunda instância tornou-se peça fundamental no combate à
corrupção. A prisão não impede o réu de seguir buscando reverter sua pena até a
última instância. É, porém, uma forma importante de evitar que os infinitos
graus de recurso acabem impedindo a Justiça de ser feita: os culpados, com bons
advogados, protelam ao máximo a decisão final e seus crimes acabam prescritos
antes da condenação.
Diversos países, como os Estados Unidos, França e Argentina, admitem a prisão em segunda instância. No caso específico da Lava Jato, é a perspectiva da prisão que tem feito com que diversos dos envolvidos optem pela delação premiada. Que interesse alguém teria em promover um acordo de delação se vislumbrasse a perspectiva de recorrer em liberdade até seu crime prescrever? Num dos desabafos apurados por ISTOÉ, Cármen Lúcia foi taxativa: “A revisão da prisão após condenação em segunda instância vai fazer o combate à corrupção retroceder 50 anos”.
Com
a mesma serenidade com que resiste às pressões dos aliados de Lula, Cármen
Lúcia encara a polêmica criada em razão do encontro mantido com o presidente
Michel Temer, no sábado 10. Os mesmos que se postam na sua antessala exigindo
ser atendidos para clamar por Lula criticam o fato de ela, presidente do Poder
Judiciário, encontrar-se de forma pública com o presidente do Poder Executivo.
Temer é investigado pelo Supremo no caso do decreto dos portos que, segundo a
acusação, poderia ter beneficiado uma empresa que atua no Porto de Santos.
Segundo Cármen, Temer não tratou da acusação contra ele. E nem conseguiria caso
tentasse. O encontro girou em torno do tema segurança pública, pauta comum a
Temer e Cármen.
Como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra foi quem elaborou o Cadastro Nacional de Presos. “Nesses tempos conturbados, uma agenda normal entre presidentes de Poderes ganha contornos de desconfiança”, comentou Cármen com uma pessoa de sua intimidade. Para concluir, em seguida, com a simplicidade de sempre: “Se levássemos em consideração todas as implicações de cada um, o País simplesmente pararia”. Como declarou na terça-feira 13 ao participar de seminário em São Paulo, Cármen Lúcia criou uma fórmula segura para enfrentar as pressões das quais tem sido alvo. Simplesmente não cede a elas.
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