Em meados da década
setenta do século XX Jaime Lira (*02/06/1944 +19/07/1995) mantinha estreita
relação de amizade com nosso amigo Ubiratanzinho (56), de modo que, nos finais
de semana, sempre que possível, os dois pernoitavam na fazenda Óbidos de
propriedade da família Vasconcelos, localizada após o cemitério velho, distante
2 km, via estrada vicinal sentido Santarém. A dupla se deslocava ao deleite de
um Jeep Willians, ano de fabricação 1958, do então próspero fazendeiro e conceituado
comerciante João Ubiratan Vasconcelos (de saudosa memória), falecido em 1982 precocemente
aos 56 anos de idade. Nestes passeios regados a muita cachaça serrana e cerveja,
na quadra invernosa os dois se divertiam pra valer, banhando nas águas
caudalosas do rio Raiz do Canto, saboreando frutas de época (cajá, cajá-embu, cajarana
e caju). Era sabido que Jaime Lira apesar de homem destemido e bem disposto, defecava
nas calças com medo mórbido de alma penada, ainda que, sob demasiado efeito
etílico. Alguns dos seus amigos imaginavam que era uma espécie de brincadeira,
dada à sua personalidade extrovertida e dom humorístico. Foi então que um dia, por
volta das 18h, o brincalhão Ubiratanzinho (para também tirar a sua dúvida),
aprontou uma boa com seu amigo de tenra infância, ao se recolherem para dormir
nas preguiçosas redes armadas no espaçoso alpendre do prédio que abriga a sede
daquela centenária e tradicional fazenda. O assunto em pauta, propositadamente,
era de histórias do além. E o homem dormiu? Dorme e não dorme, dorme e não
dorme... Como que dorme? Jaime Lira despertou e cismou de não mais permanecer
(segundo ele) naquela casa mal assombrada, implorando aos prantos e barrancos, retornar
urgentemente com o amigo para Massapê, ouvindo deste, um taxativo “não”; e se ele
quisesse ir embora, que fosse sozinho. Mas como ir embora sozinho, se o único
caminho de acesso a cidade, Jaime Lira teria necessariamente que passar
defronte aos cemitérios Velho (São José) e Novo (São João Batista)? Deveras
sensibilizado com a fobia do companheiro, Ubiratanzinho num gesto solidário e
extremamente louvável (será?), decide interromper aquele memorável passeio e os
dois retornam com a caçamba do jipe carregada de frutas frescas e maduras,
colhidas gentilmente pelo morador da fazenda. Por azar, de repente o veículo
pára exatamente entre os dois cemitérios, por falta de gasolina (que ironia!). O
teor da conversação a seguir, notadamente, a frase final impensada e balbuciada
por Jaime Lira, desafia as leis da física, que preceituam: dois corpos não
podem ocupar o mesmo lugar no espaço e/ou um corpo não pode simultaneamente ocupar
dois lugares no espaço; bem como, desafia, ainda, uma das três leis divinas, ditas
sobrenaturais, da origem e criação do universo por Deus – a da onipresença:
- Meu amigo Jaime
Lira, faltou gasolina no carro... E agora??? – indagou Ubiratanzinho. Mas cá
entre nós, será que faltou mesmo o precioso derivado do combustível fóssil, ou
foi mais uma armação?
- Oxent! Não tem problema não, vamos
embora a pé. Ta pertinho mesmo – se
justificou o nosso serelepe protagonista.
- Meu amigo Jaime, a pé eu não vou. Não
posso deixar o carro aqui abandonado, carregado de frutas. Vamos fazer o
seguinte: eu vou buscar gasolina no posto Texaco do papai e tu fica aqui me
esperando...
- Neste lugar,
sozinho, eu não fico nem morto, muito menos vivo!!! – desabafou Jaime Lira se
tremendo que nem vara verde, com medo daquele local tenebroso e já com prenúncios
da cueca borrada, face aos constantes estampidos e odores insuportáveis. Ai que
dó.
- Pois eu fico aqui
sozinho e você vai buscar a gasolina... – indicou uma honrosa alternativa, para
resolver aquele conflitante impasse, o seu querido “Amigo da Onça”
Ubiratanzinho.
- Nem vou e nem fico!!!
Do livro: Histórias
& Causos com Casos & Estórias de Massapê – autor: Ferreirinha de
Massapê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário