11 de fevereiro de 2019

A LUTA DOS QUE ESPERAM PELAS 160 PESSOAS DESAPARECIDAS EM BRUMADINHO


11/02 - “É como se você fosse demitido e continuasse indo para o espaço de trabalho. Você não consolida a demissão, fica num vazio”.A médica Ana Claudia Quintana Arantes, especialista em intervenções de luto,  , tenta explicar com palavras o que é o terrível sentimento de perder alguém, mas não encontrar o corpo para realizar os rituais de despedida.

“É um espaço que não é de vida e nem de morte; a pessoa só não está lá”, diz ela. É esse vazio que pode ser enfrentado por dezenas de famílias e amigos das vítimas do rompimento da barragem em Brumadinho. Passadas mais de duas semanas da tragédia que soterrou tantas vidas, a esperança dos familiares que ficam é que ao menos o corpo daquelas 160 vítimas que ainda estão desaparecidas seja encontrado para que o último adeus possa ser dado. Até o domingo,156 corpos haviam sido encontrados e nove deles ainda não haviam sido identificados. 

De acordo com Arantes, o fato de não encontrar o corpo agrava ainda mais o processo de enfrentamento do luto. “Quando você não tem o corpo, parece que a pessoa não morreu”, diz. O vazio no olhar de tantos parentes que esperavam por alguma notícia na Estação Conhecimento em Brumadinho na semana passada materializava esse sentimento descrito por ela. 

Quando a Vale anunciou uma doação de 100.000 reais aos familiares dos mortos e desaparecidos, alguns se recusaram a realizar o cadastro para receber o dinheiro. “Não quero dinheiro, quero meu irmão de volta”, disse Paulo Renato Oliveira da Silva à reportagem, justificando a ausência na fila do cadastro. Como ele, outros tantos negaram a “doação” da Vale antes de ter alguma informação sobre o paradeiro de quem estava na mineradora ou nos arredores naquele fatídico 25 de janeiro. Outros se diziam "sortudos", como Michel Fernandes Guimarães que afirmou ao menos ter conseguido enterrar o irmão.

Em meio a tanta dor, a espera por encontrar os desaparecidos é um fio comum de esperança ao qual se agarram os familiares que vivenciam diferentes tragédias. Em janeiro de 2011, uma forte chuva sobre a região serrana do Rio de Janeiro deixou mais de 900 pessoas mortas, ao menos 99 desaparecidas, além de milhares desabrigadas. 

Sandra Rodrigues de Oliveira, doutora em psicologia clínica pela PUC do Rio de Janeiro, fez sua tese sobre o luto das famílias que perderam parentes naquela que foi classificada como a maior tragédia climática da história do país. Ela explica que ter esperança faz parte do que chama de “luto ambíguo” diante de algo tão doloroso. “Embora você saiba que a chance de a pessoa estar ali [soterrada] é muito grande, enquanto você não a encontra, você fica na esperança de, quem sabe, encontra-la com vida”, diz. 
“Nos primeiros dias isso é mais intenso", segue ela. "[Em Brumadinho] muita gente dizia que a pessoa podia estar ilhada, esperando resgate, mesmo tendo a informação de que ela estava em local de alto risco, como o refeitório, no momento do rompimento da barragem”. Com o passar do tempo, essa esperança diminui, mas pode custar até anos para que essa chama se apague por completo. “Dois anos após a tragédia [na região serrana do Rio], perguntei a várias famílias se elas ainda achavam que o parente poderia aparecer e todas disseram que sim”, conta Oliveira. 

A psicóloga explica que essa expectativa de encontrar a pessoa com vida, ou ao menos o corpo, está inserida no que ela chama de “flutuação dos sentimentos”, em que um único fato isolado é capaz de alimentar esperança. “A primeira vítima encontrada em Brumadinho foi uma médica que trabalhava na Vale. Depois disso, as pessoas ficam se perguntando: ‘será que a minha hora vai chegar? Por que acharam a médica, lá atrás, e não acharam o meu familiar? Será que estão procurando mais funcionários da Vale?’. Isso tudo passa na
cabeça dos familiares”.

(El País)

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