O empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo
J&F, concedeu sua primeira entrevista exclusiva desde que fechou a
mais pesada delação dos três anos de Lava Jato. Ele recebeu a equipe de
reportagem da Revista Época e detalhou como se tornou o maior "comprador
de políticos" do Brasil. Discorreu sobre os motivos que o levaram a gravar
o presidente Michel Temer e a se oferecer à PGR para flagrar crimes em
andamento contra a Lava Jato. Atacou o presidente, a quem acusa, com casos e
detalhes inéditos, de liderar “a maior e mais perigosa organização criminosa do
Brasil” — e de usar a máquina do governo para retaliá-lo. Contou como o PT
de Lula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio
Neves entrou em leilões para comprar partidos nas eleições de 2014.
A Época divulgou no fim da
noite desta sexta-feira (16) uma parte da entrevista com o empresário. Leia:
Quando o
senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci
Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro
ele já me deu o celular dele. Daí em diante passamos a falar. Eu mandava
mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação
direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça Pan-Americana, fui várias vezes
ao escritório no Itaim, fui várias vezes na casa dele em São Paulo, fui alguma
vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi ao meu casamento. Foi
inaugurar a fábrica da Eldorado.
Qual,
afinal, a natureza da relação do senhor com o presidente Temer?
Joesley – Nunca foi uma
relação de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que
precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho
que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e
fazer esquemas que renderiam propina. Toda vida tive total acesso a ele. Ele
por vezes me ligava para conversar, me chamava, eu ia lá.
Conversar
sobre política?
Joesley – Ele sempre tinha um
assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que ele me chamava
eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.
Segundo a
colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?
Joesley – Isso. Logo no
início. Conheci Temer e esse negócio de dinheiro para campanha, aconteceu logo
no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não
é um cara cerimonioso com dinheiro.
Ele
sempre pediu sem algo em troca?
Joesley – Sempre estava
ligado a alguma coisa, ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando
ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment,
preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu,
Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de
Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu
para nós fazermos um mensalinho. Fizemos. Ele volta e meia fazia pedidos assim.
Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele
e para ver se dava para ajudar o Yunes.
E ajudou?
Joesley – Não chegamos a
contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel
do escritório dele na praça (Panamericana, em São Paulo). Eu desconversei, fiz
de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.
Ele explicava
a razão desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?
Joesley – O Temer tem esse
jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.
Ele não
deu nenhuma razão?
Joesley – Não, não ele. Tem
políticos que acreditam que, pelo simples fato do cargo que ele está ocupando,
já o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a
você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.
O
empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?
Joesley – Não lembro direito.
Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta
aí". Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o
Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.
Houve uma
briga por dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista
Ricardo Saud, que está na colaboração da JBS.
Joesley – Ricardinho falava
direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do
PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga
danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi
aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O
Eduardo também participou ativamente disso.
Como era
a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o
Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre
falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele
resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia.
Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio. O que ele não consegui resolver ele
pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.
Segundo
as provas da delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava
constantemente tanto Eduardo Cunha quanto Lúcio Funaro, seja por acertos na
Câmara, seja por acertos na Caixa, entre outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do
período que convivemos meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o
acerto do Lúcio do Eduardo tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como
era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro.
Não sabia como era o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios
direto com o Eduardo. Em 2015, 2016, quando ele assumiu a Presidência da
Câmara. Não sei também o quanto desses acertos iam para o Michel. E com o
Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema
mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo.
‘Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…’.
Ele dizia: ‘Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o
Eduardo’. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas
internas, como a de 2014.
O senhor
realmente precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e
Temer?
Joesley – Eles foram
crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura - todos órgãos onde tínhamos
interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura.
Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus mudou o
governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí
virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro
que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio
Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.
Pode dar
um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando
já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: ‘Joesley, tão querendo
abrir uma CPI contra a JBS para investigar BNDES. É o seguinte: você me dá
cinco milhões que eu acabo com a CPI.’ Falei: Eduardo, pode abrir, não tem
problema. Como não tem problema? Investigar o BNDES, vocês. Falei: Não, não tem
problema. Você tá louco? Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: é sério
que não tem problema? Eu: é sério. Ele: não vai te prejudicar em nada? Não,
Eduardo. Ele imediatamente falou assim: seu concorrente me paga cinco milhões
para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que
eles me dão os 5 milhões. Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você
achar melhor'.Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi
atrás. Esse é o exemplo mais bem acabado da lógica dessa Orcrim.
Algum
outro?
Joesley – Lúcio fazia a mesma
coisa. Virava para mim e dizia: tem um requerimento numa CPI para te convocar.
Me dá um milhão que eu barro. Mas a gente ia ver e descobria que era algum
deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.
O senhor
não pagou?
Joesley – Nesse tipo de
coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e
mais perigosa organização criminosa desse país. Liderada pelo presidente.
O chefe é
o presidente Temer?
Joesley – O Temer é o chefe
da Orcrim da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o
grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita
perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por
outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio
com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem demais
nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A
realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha
vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de
medo de me abraçar com ele.
No
decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava
pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava
Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter
esse silêncio ficou alto demais? Muito arriscado?
Joesley – Virei refém de dois
presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano
passado. O Eduardo me pediu 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas
como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para
ele: "Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu
mensageiro?”. Ele disse: 'O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa não
atenda'. Passou um mês, veio o Altair. Meu deus, como vou dar esse dinheiro
para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a família do Eduardo
precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o dinheiro duraria até
março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia
que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.
E o Lúcio
Funaro?
Joesley – Foi parecido.
Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que
seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O
Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato
nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da
minha família'. Lúcio era a mesma coisa: "'Confio em você, eu posso ir
preso porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te
delato’".
E eles
cumpriram o acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me
mandando recados: "Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te
delatar. Podem delatar todo mundo menos você’". Mas não era sustentável.
Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir
que eu estava mantendo esse sistema.
Quem era
o mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15
dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia
ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado.
Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
O ministro Geddel falava em nome do presidente Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a
interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu
informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o
Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o
Planalto por um tempo. Até por precaução.
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