Pelas mãos suspeitíssimas do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), deflagrou-se o processo de impeachment de Dilma Rousseff
(PT).
Às voltas com as ameaças que pesam sobre seu próprio mandato, Cunha já
deixava claro, nas últimas semanas, o poder de chantagem que estava disposto a
exercer. Esperava que o Planalto o apoiasse no Conselho de Ética da Câmara, que
parece inclinado, em meio a dúvidas, hesitações e tratativas, a recomendar seu
julgamento por quebra do decoro parlamentar.
A pressão sobre os três petistas do conselho se fazia em sentidos
opostos. A cúpula da agremiação, buscando alguma sintonia com a opinião
pública, recomendava o rompimento com Cunha. O governo, temendo a retaliação
que agora se concretiza, fazia esforços para contornar as flagrantes evidências
contra o potencial algoz.
Prevaleceu, nesse dilema, a orientação partidária, e poucas horas depois
de o PT anunciar que votaria contra o peemedebista no Conselho de Ética
chegou-se, com a decisão tomada por Eduardo Cunha, a um doloroso
paradoxo.
Em nome dos padrões de seriedade e ética que o petismo tem dado tantas
mostras de desprezar, eis que o processo de impeachment de Dilma se inaugura
por obra de um político denunciado na Operação Lava Jato, acusado de corrupção
e flagrado em pleno controle de contas bancárias na Suíça –a respeito das quais
mentira de forma deslavada na CPI da Petrobras.
Acuada entre o cinismo e a incompetência, entre a chantagem e o esbulho,
entre a propina e a pedalada, a virtude parece silenciar-se, depois de ter ido
às ruas tantas vezes nos últimos anos –para confundir-se, que seja dito, em
meio a um tumulto de grupos que iam dos black blocs criminosos de 2013 aos
embrutecidos defensores da ditadura militar de 2015.
Talvez, entretanto, Eduardo Cunha tenha razão em uma das considerações
com que acompanhou sua desesperada artilharia. O impasse político em torno do
impeachment tem feito mal ao país.
Que se decida de uma vez, renovando a legitimidade da presidente Dilma
Rousseff, ou negando-a em favor de uma solução pacífica, institucional e
democrática - por traumática que possa ser.
A presidente Dilma reagiu, em pronunciamento curto, mas contundente, ao
novo lance da crise. Seus argumentos, bem como os de quem pede o afastamento da
presidente, haverão de ser debatidos pelos políticos e pela sociedade com mais
vagar.
Folha de São Paulo
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