No início
da década de 1980, Massapê ainda vivia intensamente momentos de glória por
ocasião das duas tradicionais manifestações culturais populares: carnaval e chitão
de salão. Naquela época o índice de criminalidade em nossa cidade era
praticamente zero. No período carnavalesco os foliões se divertiam pelas principais
ruas, sem lenço e sem documento e com muito samba no pé, quando não, na espaçosa
carroceria do caminhão FNM verde, da tradicional família Machado, que percorria
as vias públicas de Massapê lotado de fanfarrões. Os blocos Black Raios, Os
Vagalumes, Frenéticos e Os Alegres, eram os protagonistas de um carnaval da
paz, que transcorria na mais perfeita harmonia. “Vinte e Um” era o apelido emprestado
pela vã filosofia popular ao José dos Santos, que nasceu com uma pequena deformação
genética (um dedinho a mais em uma das mãos), daí a justificada alcunha. Ele se
divertia pra valer no bairro Rodagem, notadamente no badalado cabaré do Ernesto
“Melado” (antigo cabaré da Isaura) e, eufórico, se envolveu em uma pequena
confusão com um folião que também havia excedido na ingestão de álcool. De primeiro, ou seja, no nosso tempo,
não usávamos drogas, a não serem algumas doses de cachaça serrana e muita
cerveja. Maconha só se via nos noticiários policiais da TV preto em branco da
marca Canarinho (é o novo!), que decorava os lares de alguns privilegiados.
Rogério Macumbeiro e Olho de Touro eram que nem carne e unha e, ao presenciarem
o fato ocorrido, se dispuseram de uma ficha telefônica e rapidinho telefonaram para
a polícia, do orelhão disposto na calçada do bar do policial militar aposentado,
Zé Lira. Tenente Pereira que exemplarmente e com punhos de ferro comandava o
destacamento da gloriosa Policia Militar na nossa então pacata e pequena Massapê,
imediatamente compareceu no local da
confusão, acompanhado de dois brutamontes policiais, o suficiente para
manter a ordem pública: os soldados Ferreira e Lambisca. O prefeito à época era
Nilson Frota (1983-1988), que, sem medir esforços, com muito sacrifício
conseguiu junto ao governador do Ceará Gonzaga Mota (1983/1987), pai do atual secretário
de governo municipal de Massapê, doutor Mota (gestão A Força do Novo Tempo –
2013/2016), modesta viatura descaracterizada, para diligências dos policiais:
um Chevette nas cores branca e azul. Com arma em punho os destemidos policiais foram
recebidos pelo amante latino americano das noites em claro – o eterno boêmio
massapeense Jaime Lira, que, pra lá de Bagdá, foi interpelado pelo saudoso
delegado:
- Jaime o que aconteceu aqui?
- Socorro, doutor!!! Pelo amor de Deus!!! Vinte e
Um no hospital!!! – suplicou desesperadamente, o folião Jaime Lira. Ora, diante
daquela assertiva clamorosa, imediatamente os guardiões da paz municipal se
dirigiram até ao hospital e maternidade Ana Paulino de Aguiar (Praça São
Francisco), para fazer as diligências cabíveis e enquadrar os supostos 21
envolvidos naquela sangrenta guerra. O único paramédico de plantão 24 horas
(morava defronte ao hospital), era Manoel Campos – ex-vereador e enfermeiro por
dedicação, que exercia com maestria as mais variadas especialidades médicas,
tais como: anestesista, obstetrícia, ortopedista e cirurgia geral. E, tão logo
adentraram ao hospital, os policiais se depararam com o folião José dos Santos
inerte ao leito, com um pequeno curativo na fronte, decorrente de uma simples escoriação,
suturada com apenas dois pontinhos, acompanhado do médico plantonista. A
seguir, transcrição do diálogo vazada nos seguintes termos:
- Manoel Campos eu obtive a informação de que
ocorreu uma grande baderna no cabaré do Melado, com 21 pessoas feridas. Onde
estão os enfermos meliantes para que eu possa enquadrá-los um a um, nos seus
respectivos crimes???
- Tenente, o único paciente que eu atendi essa
noite, até o presente momento, foi este rapaz. Os outros vinte, quiçá, em
estado grave, foram para a Santa Casa de Sobral – se justificou o saudoso
Manoel Campos, que, diga-se de passagem, também prestou relevantes e
indispensáveis serviços ao povo massapeense, sem, no entanto, ter recebido
quaisquer homenagens do poder público. Isto sim é um verdadeiro crime.
- Pois eu vou tomar as medidas de praxe. Agora mesmo
vou inquirir o primeiro que participou dessa briga coletiva. Qual é o seu
nome???
- Seu delegado o meu nome é José dos Santos, mas pra
todo mundo lá na Rodagem, sou conhecido por Vinte e Um – respondeu o folião
visivelmente alcoolizado, levantando a mão e exibindo o 21º dedinho, sem nenhuma
hesitação, deixando perplexo o conceituado e experiente delegado de polícia, que
é pai do nosso querido amigo Henrique – funcionário da Caixa Econômica Federal,
lotado na agência matriz de Sobral.
Do livro: As Anedotas do Jaime Lira – autor:
Ferreirinha de Massapê.
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