23 de fevereiro de 2015

21 NO HOSPITAL

No início da década de 1980, Massapê ainda vivia intensamente momentos de glória por ocasião das duas tradicionais manifestações culturais populares: carnaval e chitão de salão. Naquela época o índice de criminalidade em nossa cidade era praticamente zero. No período carnavalesco os foliões se divertiam pelas principais ruas, sem lenço e sem documento e com muito samba no pé, quando não, na espaçosa carroceria do caminhão FNM verde, da tradicional família Machado, que percorria as vias públicas de Massapê lotado de fanfarrões. Os blocos Black Raios, Os Vagalumes, Frenéticos e Os Alegres, eram os protagonistas de um carnaval da paz, que transcorria na mais perfeita harmonia. “Vinte e Um” era o apelido emprestado pela vã filosofia popular ao José dos Santos, que nasceu com uma pequena deformação genética (um dedinho a mais em uma das mãos), daí a justificada alcunha. Ele se divertia pra valer no bairro Rodagem, notadamente no badalado cabaré do Ernesto “Melado” (antigo cabaré da Isaura) e, eufórico, se envolveu em uma pequena confusão com um folião que também havia excedido na ingestão de álcool. De primeiro, ou seja, no nosso tempo, não usávamos drogas, a não serem algumas doses de cachaça serrana e muita cerveja. Maconha só se via nos noticiários policiais da TV preto em branco da marca Canarinho (é o novo!), que decorava os lares de alguns privilegiados. Rogério Macumbeiro e Olho de Touro eram que nem carne e unha e, ao presenciarem o fato ocorrido, se dispuseram de uma ficha telefônica e rapidinho telefonaram para a polícia, do orelhão disposto na calçada do bar do policial militar aposentado, Zé Lira. Tenente Pereira que exemplarmente e com punhos de ferro comandava o destacamento da gloriosa Policia Militar na nossa então pacata e pequena Massapê, imediatamente compareceu no local da confusão, acompanhado de dois brutamontes policiais, o suficiente para manter a ordem pública: os soldados Ferreira e Lambisca. O prefeito à época era Nilson Frota (1983-1988), que, sem medir esforços, com muito sacrifício conseguiu junto ao governador do Ceará Gonzaga Mota (1983/1987), pai do atual secretário de governo municipal de Massapê, doutor Mota (gestão A Força do Novo Tempo – 2013/2016), modesta viatura descaracterizada, para diligências dos policiais: um Chevette nas cores branca e azul. Com arma em punho os destemidos policiais foram recebidos pelo amante latino americano das noites em claro – o eterno boêmio massapeense Jaime Lira, que, pra lá de Bagdá, foi interpelado pelo saudoso delegado:

- Jaime o que aconteceu aqui?
- Socorro, doutor!!! Pelo amor de Deus!!! Vinte e Um no hospital!!! – suplicou desesperadamente, o folião Jaime Lira. Ora, diante daquela assertiva clamorosa, imediatamente os guardiões da paz municipal se dirigiram até ao hospital e maternidade Ana Paulino de Aguiar (Praça São Francisco), para fazer as diligências cabíveis e enquadrar os supostos 21 envolvidos naquela sangrenta guerra. O único paramédico de plantão 24 horas (morava defronte ao hospital), era Manoel Campos – ex-vereador e enfermeiro por dedicação, que exercia com maestria as mais variadas especialidades médicas, tais como: anestesista, obstetrícia, ortopedista e cirurgia geral. E, tão logo adentraram ao hospital, os policiais se depararam com o folião José dos Santos inerte ao leito, com um pequeno curativo na fronte, decorrente de uma simples escoriação, suturada com apenas dois pontinhos, acompanhado do médico plantonista. A seguir, transcrição do diálogo vazada nos seguintes termos:
- Manoel Campos eu obtive a informação de que ocorreu uma grande baderna no cabaré do Melado, com 21 pessoas feridas. Onde estão os enfermos meliantes para que eu possa enquadrá-los um a um, nos seus respectivos crimes???
- Tenente, o único paciente que eu atendi essa noite, até o presente momento, foi este rapaz. Os outros vinte, quiçá, em estado grave, foram para a Santa Casa de Sobral – se justificou o saudoso Manoel Campos, que, diga-se de passagem, também prestou relevantes e indispensáveis serviços ao povo massapeense, sem, no entanto, ter recebido quaisquer homenagens do poder público. Isto sim é um verdadeiro crime.
- Pois eu vou tomar as medidas de praxe. Agora mesmo vou inquirir o primeiro que participou dessa briga coletiva. Qual é o seu nome???
- Seu delegado o meu nome é José dos Santos, mas pra todo mundo lá na Rodagem, sou conhecido por Vinte e Um – respondeu o folião visivelmente alcoolizado, levantando a mão e exibindo o 21º dedinho, sem nenhuma hesitação, deixando perplexo o conceituado e experiente delegado de polícia, que é pai do nosso querido amigo Henrique – funcionário da Caixa Econômica Federal, lotado na agência matriz de Sobral.                 
Do livro: As Anedotas do Jaime Lira – autor: Ferreirinha de Massapê.

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