27 de março de 2014

10º ARTIGO: "UMA VELA PARA MARDÔNIO"


Na última quadra da década de 80, comecei uma relação muito próxima com Sobral. Em 1987, iniciei o curso de Letras de Licenciatura Plena pela Universidade Vale do Acaraú (UVA). Em 1988, tornei-me professor de Literatura do Colégio Luciano Feijão daquela cidade. Na alvorada dos anos 90, colei grau e, enfim, já como professor habilitado em Língua Portuguesa deixei o colégio “Fera” e passei a me dedicar com exclusividade a assessoria do Prefeito Jacques Albuquerque, em Massapê. Nesse recorte de tempo, na Princesa do Norte e na Vila Serra Verde, notícias de violência só as vindas da capital cearense. Retornei dez anos mais tarde a Sobral (em 2001) como Coordenador de Gestão do Colégio Estadual Dom José Tupinambá da Frota. Aí a violência já havia tomada conta de tudo, inclusive, da escola.
Na primeira vertente, como acadêmico da UVA, também cabulei aulas e, nisso atravessa a pé o Parque Ecológico da Lagoa da Fazenda indo até a Beth Lanches no Beco do Cotovelo, encontrar os amigos; geralmente, às sextas-feiras, o encontro era no Kart Clube de Sobral. Não havia hora para voltar a Massapê. Receio nenhum: nem de alma penada na estrada. Outras vezes, a pândega era aqui mesmo em Massapê no “bar” do Ernesto, sempre depois das 22 horas. E Nelson Ned cantava: “O que é que você vai fazer domingo à tarde, pois eu quero convidar você prá sair comigo, passear por aí numa rua qualquer da cidade”. Hoje passear por uma rua qualquer da cidade está deveras perigoso.
Na segunda vertente, como professor de Literatura do colégio Luciano Feijão, uma forte lembrança desse tempo veio-me mais forte, nessa semana, provocada pela violência atual. No último dia 19, foi assassinado em Fortaleza um amigo de minha filha, vítima de latrocínio. Ambos de 19 anos de idade, acadêmicos de Direito e colegas de Ensino Médio (2009-2011) do já citado colégio. Muitos pontos em comum entre eles. Eu não o conhecia, mas o que toca é que poderia ser qualquer um em seu lugar ante o desvalor da vida humana. Isso tudo me fez ressurgir as lições de um texto de Dalton Trevisan que trabalhava nas aulas de Literatura, Uma Vela para Dario, que trata da indiferença das pessoas com as mazelas dos semelhantes, cujo parágrafo final é o seguinte: “Fecharam-se uma a uma as janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da chuva, que voltava a cair.” Não se há de proceder aqui como as personagens do referido texto. Urge sim demonstrar-se toda a indignação. Não se há de querer apenas uma vela para Mardônio, mas justiça e políticas de segurança pública sem o viés eleitoreiro. Não se pode ser indiferente. É a vida humana que não se deve reduzir apenas a um número estatístico.
Nesse passo, por falar em estatística, de 21 a 23 de março, Fortaleza e Região Metropolitana registraram 67 assassinatos, 39 dos quais à bala. A Capital Alencarina é a sétima cidade mais violenta do mundo no ranking, com 72,8 mortes violentas para cada 100 mil habitantes. Registrou, só em 2013, 2.754 homicídios. Em Sobral, dados demonstram que ocorre um assassinato a cada três dias. Em Massapê, ninguém se sente mais seguro nem mesmo para sentar numa calçada e fofocar, quanto mais ir aos ernestos de outrora. A violência definitivamente invadiu a cidade, que o diga a Simone Aguiar, que contratou até um segurança para continuar a ter o direito de sentar na calçada...
Enfim, aquela violência que falava inicialmente haver chegado, inclusive, às escolas de Sobral na personificação do Colégio Dom José Tupinambá da Frota também já se manifesta em Massapê com as mesmas matizes. Afinal, a escola é um retrato da sociedade. A violência efetivamente está em toda parte: em Fortaleza, em Sobral e em Massapê. E o que fazer agora? Não sei. Só sei que não se pode apenas acender uma vela para Mardônio. O problema é de todos. Não existe espaço para a indiferença.
João Tomaz Neto
Advogado e Professor

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