Na
última quadra da década de 80, comecei uma relação muito próxima
com Sobral. Em 1987, iniciei o curso de Letras de Licenciatura Plena
pela Universidade Vale do Acaraú (UVA). Em 1988, tornei-me professor
de Literatura do Colégio Luciano Feijão daquela cidade. Na alvorada
dos anos 90, colei grau e, enfim, já como professor habilitado em
Língua Portuguesa deixei o colégio “Fera” e passei a me dedicar
com exclusividade a assessoria do Prefeito Jacques Albuquerque, em
Massapê. Nesse recorte de tempo, na Princesa do Norte e na Vila
Serra Verde, notícias de violência só as vindas da capital
cearense. Retornei dez anos mais tarde a Sobral (em 2001) como
Coordenador de Gestão do Colégio Estadual Dom José Tupinambá da
Frota. Aí a violência já havia tomada conta de tudo, inclusive, da
escola.
Na
primeira vertente, como acadêmico da UVA, também cabulei aulas e,
nisso atravessa a pé o Parque Ecológico da Lagoa da Fazenda indo
até a Beth Lanches no Beco do Cotovelo, encontrar os amigos;
geralmente, às sextas-feiras, o encontro era no Kart Clube de
Sobral. Não havia hora para voltar a Massapê. Receio nenhum: nem de
alma penada na estrada. Outras vezes, a pândega era aqui mesmo em
Massapê no “bar” do Ernesto, sempre depois das 22 horas. E
Nelson Ned cantava: “O
que é que você vai fazer domingo à tarde, pois eu quero convidar
você prá sair comigo, passear por aí numa rua qualquer da cidade”.
Hoje passear por uma rua qualquer da cidade está deveras perigoso.
Na
segunda vertente, como professor de Literatura do colégio Luciano
Feijão, uma forte lembrança desse tempo veio-me mais forte, nessa
semana, provocada pela violência atual. No último dia 19, foi
assassinado em Fortaleza um amigo de minha filha, vítima de
latrocínio. Ambos de 19 anos de idade, acadêmicos de Direito e
colegas de Ensino Médio (2009-2011) do já citado colégio. Muitos
pontos em comum entre eles. Eu não o conhecia, mas o que toca é
que poderia ser qualquer um em seu lugar ante o desvalor da vida
humana. Isso tudo me fez ressurgir as lições de um texto de Dalton
Trevisan que trabalhava nas aulas de Literatura, Uma
Vela para
Dario, que
trata da indiferença das pessoas com as mazelas dos semelhantes,
cujo parágrafo final é o seguinte: “Fecharam-se uma a uma as
janelas e, três horas depois, lá estava Dario à espera do rabecão.
A cabeça agora na pedra, sem o paletó, e o dedo sem a aliança. A
vela tinha queimado até a metade e apagou-se às primeiras gotas da
chuva, que voltava a cair.” Não se há de proceder aqui como as
personagens do referido texto. Urge sim demonstrar-se toda a
indignação. Não se há de querer apenas uma vela para Mardônio,
mas justiça e políticas de segurança pública sem o viés
eleitoreiro. Não se pode ser indiferente. É a vida humana que não
se deve reduzir apenas a um número estatístico.
Nesse
passo, por falar em estatística, de 21 a 23 de março,
Fortaleza e Região Metropolitana registraram 67 assassinatos, 39 dos
quais à bala. A Capital Alencarina é a sétima cidade mais violenta
do mundo no
ranking, com 72,8 mortes violentas para cada 100 mil habitantes.
Registrou, só em 2013, 2.754
homicídios.
Em Sobral, dados demonstram que ocorre um assassinato a cada três
dias. Em Massapê,
ninguém se sente mais seguro nem mesmo para sentar numa calçada e
fofocar, quanto mais ir aos ernestos de outrora. A violência
definitivamente invadiu a cidade, que o diga a Simone Aguiar, que
contratou até um segurança para continuar a ter o direito de sentar
na calçada...
Enfim,
aquela violência que falava inicialmente haver chegado, inclusive,
às escolas de Sobral na personificação do Colégio Dom José
Tupinambá da Frota também já se manifesta em Massapê com as
mesmas matizes. Afinal, a escola é um retrato da sociedade. A
violência efetivamente está em toda parte: em Fortaleza, em Sobral
e em Massapê. E o que fazer agora? Não sei. Só sei que não se
pode apenas acender uma vela para Mardônio. O problema é de todos.
Não existe espaço para a indiferença.
João Tomaz Neto
Advogado e
Professor
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