É a escuta que nos leva ao mundo. E é a escuta que nos leva ao outro.
Quando não escutamos, nos tornamos solitários, mesmo que estejamos no meio de
uma festa, falando sem parar para um monte de gente. Condenamo-nos não à
solidão necessária para elaborar a vida, mas à solidão que massacra, por que
não faz conexão com nada. Não escutamos nem somos escutados. Somos planetas
fechados em si mesmos. Suspeito que essa é uma época de tantos solitários em
grande parte pela dificuldade de escutar.
Basta observar. As pessoas não querem escutar, só querem falar. Depois
de muita observação, classifiquei cinco tipos básicos de surdos. Há aqueles que
só falam e pronto. Não sabem escutar, não sabem ouvir, principalmente na política.
Existem aqueles que falam e falam e, de repente, percebem que deveriam
perguntar alguma coisa a você, por educação. Perguntam. Mas quando você está
abrindo a boca para responder, já enveredaram para mais algum aspecto sobre o
único tema fascinante que conhecem: eles mesmos.
Há aqueles que fingem ouvir o que você está dizendo. Você consegue
responder. Mas, quando coloca o primeiro ponto final, percebe que não escutaram
uma palavra. De imediato, eles retomam do ponto em que haviam parado. E não há
nenhuma conexão entre o que você acabou de dizer e o que eles começaram a
falar.
Há ainda os que só ouvem o que você está dizendo para rapidamente
reagir. Enquanto você fala, eles estão vasculhando o cérebro em busca de
argumentos para demolir os seus e vencer a discussão. Gostam de ganhar. Para
eles, qualquer conversa é um jogo em que devem sempre sair vitoriosos. E o
outro, de preferência, massacrado. Só conhecem uma verdade, a sua. E não
aprendem nada, por acreditarem que ninguém está à altura de lhes ensinar algo.
É claro que há um mix das várias espécies de surdos. E devem existir outras modalidades que você deve ter detectado, e eu não. O fato é que vivemos num mundo de surdos sem deficiência auditiva. E uma boa parte deles se queixa de solidão.
É um mundo de faladores compulsivos o nosso. Compulsivos e
auto-referentes. Não conheço estatísticas sobre isso, mas eu chutaria, por
baixo, que mais da metade das pessoas só falam sobre si mesmas. Seu mundo
torna-se, portanto, muito restrito. E muito chato. Por mais fascinantes que
possamos ser, não é o suficiente para preencher o assunto de uma vida inteira.
Quando não escutamos o mundo do outro, não aprendemos nada. Acontece com
o chefe que não consegue escutar de verdade o que seu subordinado tem a dizer.
A priori ele já sabe – e já sabe mais. Assim como acontece com a mulher que não
consegue escutar o companheiro. Ou o amigo que não é capaz de escutar você. E
vice-versa.Tornamo-nos muito sozinhos no gesto de não escutar.
As pessoas não escutam porque escutar é se arriscar. É se abrir para a
possibilidade do espanto. Escancarar-se para o mundo do outro - e também para o
outro de si mesmo.
Escutar é talvez a capacidade mais fascinante do humano, por que nos dá a
possibilidade de conexão. Não há conhecimento nem aprendizado sem escuta real.
Fechar-se à escuta é condenar-se à solidão, é bater a porta ao novo, ao inesperado.
Escutar é também um profundo ato de amor. Em todas as suas encarnações.
Amor de amigos, de pais e de filhos, de amantes. Nesse mundo em que o sexo está
tão banalizado, como me disse um amigo, escutar o homem ou mulher que se ama
pode ser um ato muito erótico. Quem sabe a gente não experimenta?
Escutar de verdade implica despir-se de todos os seus preconceitos, de
suas verdades de pedra, de suas tantas certezas, para se colocar no lugar do
outro. Seja o filho, o pai, o amigo, o amante. E até o chefe ou o subordinado.
O que ele realmente está me dizendo?
Escutar de verdade é se entregar. É esvaziar-se para se deixar preencher
pelo mundo do outro. E vice-versa. Nesta troca, aprendemos, nos transformamos,
exercemos esse ato purificador da reinvenção constante. E, o melhor de tudo,
alcançamos o outro. Acredite: não há nada mais extraordinário do que alcançar
um outro ser humano. Se conseguirmos essa proeza em uma vida, já terá valido a
pena.
Escutar é fazer a intersecção dos mundos. Conectar-se ao mundo do outro
com toda a generosidade do mundo que é você. Algo que mesmo deficientes
auditivos são capazes de fazer.
Com informações de Eliane Brum
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