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29 de dezembro de 2014

POR E-MAIL AO SITE: "CAIXÃO DE DEFUNTO"

                               CAIXÃO DE DEFUNTO 
De família altruística, ao longo de cinco gerações, os Albuquerque de Massapê, que fazem da política um sacerdócio, têm a satisfação de bem servir aos munícipes, notadamente os cidadãos desprovidos de bens materiais. Desde tenra adolescência Jacques Albuquerque decidiu sua opção pelos humildes; na fase adulta, fazendo da política um trampolim. Quando prefeito de Massapê (1989/1992), o político massapeense sancionou a lei municipal n. 254 de 1990, emanada do poder executivo – de combate a miséria e assistência a pobreza, que consiste em doações oficialmente contabilizadas para a população carente do nosso município, de tudo (ou quase tudo) que se possa imaginar: dentaduras, óculos de grau, milheiros de telha e tijolo, sacos de cimento e cal, carradas de areia e barro Massapê, passagens estaduais e interestaduais e acreditem, até caixão de defunto. De cunho extremamente assistencialista, o benéfico projeto social, até então inédito no Brasil, era como se fosse aos dias atuais uma espécie de Bolsa Família (esmola) do Governo Federal. Contam à boca miúda, que faleceu em plena quadra invernosa um octogenário acometido de próstata, havia alguns meses prostrado no fundo da rede da sua alcova, arquejando com uma mão na vela e a outra na cova, de modo que, o infeliz enfermo despachado por uma competente junta médica, se resumia em “espírito padecido, coro e osso”. Morre e não morre, morre e não morre. Como que não morre? Morreu. De família tipicamente tradicional de pescadores, o de cujus em vida terrena, paupérrimo, que sobrevivia da pesca artesanal e de subsistência, deixou prole escadinha, portanto, sem condições de arcar com as despesas do funeral. Seu filho primogênito, também pescador, foi ao encontro do ilustre prefeito que prontamente o atendeu, em termos. O conceituado político se justificou alegando que a cota reservada aos recursos da lei n. 254 de 1990 havia esgotada, e que somente dali uma semana, ou seja, na virada do mês é que teria verba disponível em caixa destinada para a compra dos benditos caixões de defunto. Foi então que o caridoso prefeito, imbuído de profundo sentimento de justiça social e sensibilizado com a miséria daquela família, sentindo na própria pele a dor alheia, resolveu doar a sua predileta rede de dormir, de cor vermelha e com varandas brancas, bordadas com Cabeças de Fita, para servir de funeral à moda antiga nordestina, pendurada num mastro de madeira bruta e transportada a passos largos nos ombros calejados de dois voluntários que, via de regra, se revezam alternadamente. Chegando ao modesto lar desprovido de bens de consumo doméstico, dignos do conforto e bem-estar de uma família comum (geladeira, TV, fogão a gás, etc.), o humilde rapaz, consternado, contou o acontecido aos demais membros da família enlutada que entenderam, se conformaram e até ficaram profundamente agradecidos com o gesto singular, nobre e solidário do franciscano prefeito, ao doar sua própria rede; mas um entre eles, o caçula, excelente pescador tal qual o pai, queria porque queria um caixão de defunto: primeiro porque o falecido (cidadão massapeense que pagava seus impostos) faria jus ao benefício e segundo; porque o corpo do seu pai seria depositado em cova; portanto, sem a proteção do caixão, levaria terra na cara, o que seria uma grande humilhação. Um orgulho besta que fez com que o filho caçula (que faltava uns parafusos na cachola encefálica), se sentindo iludidamente ofendido, fosse até ao popular prefeito tomar satisfação. A seguir, trecho da conversa entre os dois, vazado nos seguintes termos:

- Bom dia amigo! – recepcionou-o o prefeito, estendendo-lhe a mão, acolhedoramente.
– Bom dia nada! Pra mim (hic) hoje é um péssimo dia – desabafou o órfão de pai, completamente desorientado, com fortes evidências de ter ingerido cachaça serrana (sem água) amarelada com bálsamo e rosário no copo, vendida pelo Expedito Galinha D’água.
– Aceite os meus mais sinceros pêsames – consolou-o, o prefeito.
– Meu velho pai faleceu (hic) e seu corpo não merece ser enterrado dentro de uma rede; e sim, num caixão defunto. Seu prefeito (hic) me arrume uma solução??? – implorou aos prantos e barrancos, o pescador chorão.
– Meu amigo, a solução é a rede que eu doei do fundo do meu coração. Caixão de defunto eu só vou ter na outra semana...
– Pois seu prefeito, me assine um vale pra eu comprar (hic) um fardo de sal grosso, assine???
– Assino... Mas pra quê tu quer 50 kg de sal grosso de uma lapada só? É para conservar o excesso de pescado da família???
Oxent! Num é não senhor. É pra salgar papai até a chegada do caixão.           
Do livro: Histórias & Causos com Casos & Estórias de Massapê – autor: Ferreirinha de Massapê.
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